Uma mulher linda, na faixa dos 50 anos, surge nua e cheia de desejo quando Mariana (Marília Gabriela) abre as portas de seu armário. Um jovem gay reclama que o pai foi “inconveniente” ao morrer justamente na noite em que iria a uma festa.
As cenas descritas acima foram mostradas esta semana na minissérie “Cinquentinha” e contrastam com as versões politicamente corretas dos personagens homossexuais mais comuns na teledramaturgia. Diferente dos gays bonzinhos e pudicos que passaram pelas novelas nos últimos anos, o Carlo (Pierre Baitelli) de "Cinquentinha" é um típico vilão folhetinesco, enquanto Leila (Ângela Vieira) é uma lésbica madura e sexy.
Aguinaldo Silva, autor da minissérie que terá seu último episódio exibido nesta sexta-feira (18), diz que criou os papéis porque os homossexuais da ficção estavam “pasteurizados”. “Eles tinham comportamento dentro dos padrões da classe média mais careta. Estavam ficando héteros!”, alega.
Desde que, há 15 anos, o casal Sandrinho (André Gonçalves) e Jefferson (Lui Mendes) causou polêmica em “A próxima vítima”, de Silvio de Abreu, novelistas têm apresentado gays castos, que beiram a perfeição. Para não ferir um suposto conservadorismo do espectador, esses personagens costumam ser amigos leais dos protagonistas das tramas e nunca têm contato físico com o par romântico – quando há um.
“Alguns eram completamente tolos, de tão bonzinhos. As pessoas podiam até pensar: ‘olha, eles são gays do bem, nem fazem sexo’”, opina Manuel Zanini, coordenador da Parada do Orgulho GLBT de São Paulo. “Houve avanços, mas os autores poderiam ousar mais. O espectador está menos preconceituoso, principalmente devido às campanhas de conscientização nos últimos anos”.
Explosão de lésbicas
A preocupação dos autores tem sua razão de ser. Caso emblemático do poder de rejeição popular foi registrado em “Torre de Babel” (1999), também de Silvio de Abreu, em que um casal lésbico de meia-idade foi eliminado precocemente dos capítulos.
Elegantes e bem sucedidas, as namoradas Rafaela (Christiani Torloni) e Leila (Silvia Pfeifer) morreram na explosão de um shopping center, assim que o público começou a dar sinais de boicote às personagens.
Leila, papel de Ângela Vieira em “Cinquentinha”, tem perfil bem parecido com o das moças de “Torre de Babel”. Com um elemento a mais: é extremamente sexualizada e foi mostrada dividindo a cama com Mariana (Marília Gabriela).
Estreando em um papel de homossexual que lhe garantiu a sua primeira cena de nudez na TV, a atriz de 57 anos acredita que a personagem não incomodou o espectador por ter sido incluída em uma série de humor, como "Cinquentinha".
“Na comédia há mais aceitação por parte do público. E a Leila não é agressiva, pelo contrário: é feminina, totalmente resolvida e não fica panfletando sua opção sexual”, defende Ângela.
“Cerquei a Leila de cuidados. Ela tinha que ser bonita, segura de si e não lembrar em nenhum momento o estereótipo do que se conhece como ‘sapatão’”, enumera Aguinaldo, que, em “Senhora do destino” (2004), mostrou as jovens lésbicas Jennifer (Bárbara Borges) e Eleonora (Mylla Christie) – meninas delicadas, que não trocaram carícias ao longo dos capítulos. Moças de família mesmo.
Para Julian Rodrigues, militante do Grupo Corsa pelos direitos homossexuais, a personagem de “Cinquentinha” é “libertária”. “Gostei de ela ter sido mostrada como lésbica, mas que também sente atração por homens", aprova. É uma mulher decidida, não fica esperando o príncipe encantando. Nem a princesa”.
Malvado e sedutor
Rosto de anjo, alma de demônio é a melhor descrição Carlo, o antagonista da minissérie de Aguinaldo Silva. Manipulador, interesseiro e arrogante, o rapaz, segundo descrição do autor, usa da sedução para conseguir o que quer. Ser gay, “é apenas um detalhe” desse vilão de folhetim.
Novato na teledramaturgia - sua única experiência foi como o Escobar do especial “Capitu” - o ator Pierre Baitelli, de 25 anos, interpretou personagens gays na peça “Cânticos infernais” e no filme “Como esquecer”. Mas reconhece que na TV a ousadia é maior.
“Procurei não dar nenhum peso ao fato de ser um vilão que é homossexual. Não foquei em nada que pudesse me atrapalhar ou me deixar mais nervoso do que minha cobrança pessoal em realizar um bom trabalho”, explica Pierre, que diz ter buscado inspiração em filmes de Bernardo Bertolucci, Pier Paolo Pasolini e Luchino Visconti.
“Carlo é um personagem ousado, uma figura cheia de si, sem caráter, sem sentimento”. O que provavelmente assustaria Jefferson, Sandrinho e outros gays cândidos das novelas de outros tempos.
fonte: G1
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