terça-feira, 3 de agosto de 2010

Itália pode ter primeiro premiê gay de sua história

Nichi Vendola, que no final dos anos 1990 escrevia poesias para o livro Ultimo Mare (Último Mar), lançado em 2006, poderá em um futuro próximo passar a assinar decretos ministeriais na Itália. Em meio aos últimos acontecimentos da política nacional, Vendola se apresenta como possível sucessor de Silvio Berlusconi, caso o país tenha eleições antecipadas por uma eventual queda do governo. Vendola, homossexual e ativista pró-direitos civis que atualmente governa a região de Apúlia, é nome cada vez mais forte nas recentes sondagens feitas entre os eleitores.

A coalizão liderada por Silvio Berlusconi perdeu sustentação no Congresso por conta dos desentendimentos com Gianfranco Fini, cofundador juntamente com o primeiro-ministro do partido Povo da Liberdade (PDL). Fini, que levou consigo cerca de 50 parlamentares do PDL, pode ajudar a oposição de centro-esquerda a derrubar o governo. No parlamentarismo italiano, o "voto de confiança" pode ser apreciado pelo Congresso. Caso haja maioria simples, a oposição pode dissolver o Conselho de Ministros dirigido por Berlusconi. Cairiam também todos os deputados e senadores, e novas eleições seriam convocadas. O cenário, no entanto, é de indefinição completa.

O principal nome da esquerda anti-Berlusconi seria, hoje, Pier Luigi Bersani, secretário-nacional do Partido Democrático (PD). Nos salões do PD, no entanto, ganha força o nome de Nichi Vendola. Sondagem feita pela IPR Marketing a pedido do jornal La Repubblica mostra um quadro favorável ao governador: se as eleições fossem hoje, os italianos com voto na centro-esquerda prefeririam Vendola a Bersani: 51% a 49%. Para 49% dos eleitores, Vendola tem chances reais de bater Berlusconi nas urnas, enquanto somente 31% acreditam no êxito de Bersani.

Nascido na Apúlia em agosto de 1958, Nichi Vendola é filho de uma família de comunistas. O nome de batismo (Nicola) é uma alusão a São Nicola, padroeiro de Bari, capital da região. O apelido, Nichi, é um diminutivo de Nichita, dado pelos pais em homenagem a Nikita Khrushchev, ex-líder comunista russo que, para a família Vendola, significou o início da "desestalinização" do país, o fim do culto à pessoa levado a ferro e fogo por Josef Stalin. "A imagem de Nikita Khrushchev que ficou na mente da minha família foi a do sapato", declarou o governador em uma de suas raras aparições na televisão nacional, em dezembro do ano passado. A imagem a qual se refere o governador é a de Khrushchev batendo com o sapato na mesa durante uma reunião do Conselho de Segurança da ONU nos anos 60.

Ativismo gay
Promotor e cofundador da Associação de Lésbicas e Gays da Itália (Arcigay) e da Liga Italiana pela Luta Contra a Aids (Lila), Vendola assumiu-se gay aos 20 anos de idade, publicamente, em um jornal de sua cidade natal, a pequena Terlizzi. Porém, ele se diz "homossexual", e não "gay". Costuma dizer que a palavra "gay" é hipócrita, um falso sinônimo que busca esconder a aspereza da palavra "homossexual". "Foi importante em uma época em que 'sair do armário' era um fio desencapado, hoje devemos nos livrar disso", defendeu, na mesma entrevista. "Jamais tivemos sequer um candidato a premiê assumidamente homossexual", recorda Giacomo Pacini, historiador dedicado à política italiana do século XX.

Comunista e católico, ao contrário dos comunistas históricos - normalmente ateus -, Vendola cita a Bíblia em diversas ocasiões públicas e não poupa o modo como o sistema comunista foi implementado em países como a Rússia, que define como "uma tragédia". Defende que, no entanto, a Revolução de 1917, já naquele tempo, apresentava mudanças sociais importantes. Uma delas foi mudar o código penal para abolir o crime de homossexualismo, mais tarde reinserido na lei. Ainda acredita nas bases do comunismo, como declarou mais de uma vez em entrevistas, usando sempre a mesma frase: "não devemos botar fora a criança junto com a água suja", em referência às boas ideias do comunismo manchadas pela imagem dos Gulags (sistema de campos de trabalhos forçados para criminosos e presos políticos da União Soviética).

"Televisãofobia"
Nichi Vendola não é prima-dona dos diversos programas políticos da TV italiana. Afirma não gostar do estilo e diz que é necessário ¿baixar o volume¿ das discussões na televisão, "frustrantes", segundo ele. Escolhe a dedo onde andar e como aparecer, sem contar com a superexposição necessária para a maioria dos egos parlamentares e executivos. Dentro do que acredita ser sua coerência, declarou pública solidariedade à Alessandra Mussolini, neta do ex-ditador Benito Mussolini, ex-deputada e personagem político da direita radical italiana, frequentemente vista em programas de TV. Alessandra foi personagem de um processo midiático: foram divulgadas notícias sobre um suposto vídeo de sexo explícito no qual La Mussolini seria protagonista. O vídeo jamais apareceu.

Reflexo da personalidade de Vendola pode ser visto dentro do próprio partido. Após cinco anos como governador da Apúlia, se recandidatou ao cargo nas eleições de março deste ano contra a vontade da cúpula do PD local, apoiada pelo ex-primeiro-ministro italiano Massimo D'Alema. Nas eleições internas, no entanto, Vendola venceu a disputa com vantagem: colheu 67% dos votos dentro do partido contra o economista Francesco Boccia, apoiado por D'Alema. Candidato oficial da coalizão de centro-esquerda, deu um banho nas urnas e foi reconduzido à cadeira de governador com 73% dos votos, derrotando o candidato do partido de Silvio Berlsconi, Rocco Palese.

Vendola diz que o episódio não deixou nenhuma marca em seu modo de fazer política ou de tratar com os membros da coalizão. Ele alega refutar as "estratégias militares, as cartas de guerra e os números da política" na hora de concorrer. Não quer fazer alianças pelo simples fato de acumular votos, garante. De personalidade independente, no entanto, sabe calcular bem o momento do jogo. Nos primeiros sinais de que a aliança entre Silvio Berlusoni e Gianfranco Fini estava por rachar, Nichi Vendola declarou publicamente "estima a Fini" - de raiz política neo-fascista -, sabendo que o apoio do agora opositor ao premiê poderá ser decisivo.

Complô?
Sua homossexualidade não pode ser confundida com libertinagem sexual. Vendola critica Silvio Berlusconi pelo uso de casas onde recebe chefes de Estado e, ao mesmo tempo, "acompanhantes", como mostraram a série de fotos divulgadas pelo jornal El País, da Espanha, no ano passado.

Apesar da clara diferença de perfil entre Nichi Vendola e os tradicionais políticos italianos, o governador da Apúlia segue o padrão dos líderes de centro-esquerda italianos dos últimos tempos: mostra-se independente e busca cavar caminhos sem alianças - nem mesmo as internas. De fato, é cabível dentro da anedota corrente nos últimos tempos no país, que se tornou uma resposta padrão para quem diz que a esquerda está fazendo um complô contra Berlusconi: "para que haja um complô é necessário que ao menos duas pessoas estejam de comum acordo". Cena difícil de encontrar dentro da esquerda italiana de hoje.

fonte: Terra

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