quinta-feira, 2 de agosto de 2012

Morre aos 86 anos, Gore Vidal, um dos bissexuais mais importantes dos Estados Unidos

Autor faleceu em casa de complicações de pneumonia

O escritor Gore Vidal no National Book Awards, em Nova York, em 2009 (foto: TINA FINEBERG / AP)O escritor, dramaturgo, roteirista e ativista político americano Gore Vidal morreu nesta terça-feira, aos 86 anos, vítima de complicações de uma pneumonia. Dono de uma prodigiosa carreira e considerado um dos mais versáteis autores americanos, com mais de 20 romances lançados, Vidal estava em sua casa em Los Angeles, para onde se mudou em 2003 depois de um longo exílio na Itália.

Autor de uma obra extensa e variada e um intelectual público que nunca fugiu de polêmicas, o escritor Gore Vidal foi uma figura central no cenário artístico e político dos Estados Unidos nas últimas seis décadas. Transitando entre a ficção e o comentário social, entre Washington e Hollywood, entre o cotidiano de seu país e a cultura clássica europeia, firmou-se como um homem de letras ao mesmo tempo erudito e irreverente, conhecido tanto pela prosa elegante quanto pelas tiradas ácidas contra os desafetos (entre os quais estiveram alguns dos principais nomes de sua geração, como Norman Mailer e Truman Capote). Em dezenas de romances, ensaios, peças de teatro e roteiros de cinema, fazendo intervenções na imprensa em defesa dos direitos civis de homossexuais ou contra o governo, e até mesmo concorrendo a cargos públicos, Vidal foi um questionador incansável dos valores da sociedade americana.

Nascido em 1925 em West Point, Nova York, numa família influente ligada ao Partido Democrata, Eugene Luther Gore Vidal Jr. foi um escritor precoce. Gostava de dizer que começou a trabalhar no primeiro romance aos 7 anos de idade e que não se lembrava de uma fase da vida em que não escrevesse. Seu romance de estreia, “Williwaw”, inspirado em sua experiência na Marinha americana no final da Segunda Guerra Mundial, foi publicado quando tinha 19 anos, com boa recepção crítica. Lançou o segundo romance, “In a yellow wood”, em 1947, e, sobre ele, costumava dizer que era “tão ruim que nem eu consigo relê-lo”.

Incursões no cinema, TV e teatro
Foi o terceiro livro de Vidal que começou a definir os contornos de sua figura pública. Lançado em 1948, “The city and the pillar” narra o amadurecimento de um jovem que se descobre homossexual. Reconhecido hoje pela sobriedade e elegância com que abordava o tema, o romance foi atacado severamente numa época em que os Estados Unidos tinham leis contra o homossexualismo. Embora tenha alcançado boas vendas e recebido elogios, o romance fez com que Vidal fosse boicotado por alguns dos principais veículos de comunicação do país, que passaram anos sem falar de seus livros. Nesse período, chegou a publicar sob pseudônimos como Edgar Box e Katherine Everard.

A partir dos anos 1950, Vidal passou a escrever com frequência para TV, teatro e cinema. Em 1960, estreou a peça “The best man”, drama ambientado em uma corrida presidencial americana — reza a lenda que Ronald Reagan, então um ator popular ainda não envolvido com a política, fez teste para interpretar o presidente e foi vetado por Vidal por não dar credibilidade ao papel. A primeira temporada teve 520 apresentações, e o sucesso fez com que fosse reencenada várias vezes — a nova montagem está em cartaz até setembro na Broadway, com James Earl Jones no papel principal.

Vidal também teve uma longa e atribulada relação com o cinema. Foi um dos vários escritores a trabalhar nas mais de dez versões do roteiro do épico "Ben-Hur" (1959), mas desaprovou o resultado final e sequer aparece nos créditos. Também se envolveu em disputas sobre o roteiro de “Calígula” (1979), do italiano Tinto Brass, e deixou o projeto no meio das filmagens. Fez ainda pequenas participações como ator em diversos filmes, como “Roma” (1972), de Fellini, e “Bob Roberts” (1992), de Tim Robbins.

Ciclo de romances sobre História dos Estados Unidos
Mas foi sobretudo por meio de seus livros que Vidal se afirmou como um dos principais intelectuais americanos do pós-guerra. Na ficção, encontrou seu estilo ao adotar o gênero do romance histórico para falar tanto das raízes da civilização ocidental — como em “Juliano” (1964), autobiografia fictícia do imperador romano que tentou restaurar o paganismo — quanto dos dilemas americanos. Em uma série de sete livros publicados entre 1967 e 2000, que batizou de “Narrativas do Império”, o escritor abordou a fundação dos Estados Unidos (“Burr”, de 1973), os governos turbulentos de Abraham Lincoln (“Lincoln”, de 1984) e Franklin Roosevelt (“Washington D.C.”, de 1967), o nascimento da indústria cultural do país (“Hollywood”, de 1990) e sua afirmação como um superpoder global ao longo do século XX (“Império”, de 1987, e “A era dourada”, de 2000).

Ao mesmo tempo em que retratava a História americana em seus romances, Vidal comentava o presente do país em ensaios, intervenções na imprensa e se candidatando a cargos públicos. Perdeu em suas duas tentativas: a primeira em 1960, para o Congresso, por Nova York, e a segunda em 1982, para o Senado, pela Califórnia. Mesmo assim, em artigos e entrevistas, nunca abandonou a retórica afiada para denunciar a hipocrisia da sociedade (“A inveja é o fato central da vida americana”, disse certa vez), a política externa do governo de George W. Bush (ao qual se referia como “a junta”) e a homofobia. Em textos autobiográficos, gabava-se de ter dormido com mais de mil homens e mulheres antes dos 25 anos e provocava os críticos dizendo que os seres humanos são inerentemente bissexuais. Teve como companheiro por 53 anos o publicitário Howard Austen, morto em 2003. O segredo do relacionamento, dizia Vidal, era que nunca dormiam juntos.

fonte: O Globo

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