Para a maioria das pessoas, doar sangue é tão simples quanto arregaçar as mangas. Mas não para homens homossexuais. Desde 1983, a Food and Drug Administration (FDA, órgão do governo americano que testa, controla e inspeciona alimentos e remédios) os impede de doar sangue.
A FDA vem reexaminando essa proibição ao longo dos anos, mas ainda sustenta que restrição é necessária para manter o estoque de sangue seguro e não contaminado pelo HIV, o vírus que causa Aids. Críticos afirmam que a proibição é cientificamente e medicamente injustificada e que segrega injustamente os homens homossexuais.
Este ano, o senador John Kerry e outros 17 senadores enviaram uma carta à agência se opondo à proibição. A agência anunciou que reconsideraria a questão, mas em junho um comitê consultivo da votou pela manutenção da restrição, decepcionando não apenas os gays, mas os principais bancos de sangue do país, que se manifestaram contra essa regra.
Alguns viram um raio de esperança no reconhecimento por parte do painel, conhecido como Comitê Consultivo de Segurança e Disponibilidade de Sangue, de que a política atual não é “ótima”. O comitê recomendou a realização de mais pesquisas sobre políticas alternativas antes de revogar a proibição.
“Certamente vemos a proibição como discriminação”, disse Nathan Schaefer, diretor de políticas públicas da Gay Men’s Health Crisis, uma organização de Nova York. “Mas, embora a decisão do comitê não tenha sido ideal, eles disseram que podem fazer melhor”.
Embora a FDA não seja obrigada a seguir a decisão do comitê consultivo, a agência geralmente segue essas recomendações, disse Shelly Burgess, porta-voz da FDA. A decisão final de acabar com a proibição será tomada pela liderança do Departamento de Saúde e Serviços Humanos. Ela não soube precisar um prazo para essa tomada de decisão.
Hemofílicos
A proibição tem sido defendida por grupos que representam hemofílicos. Eles sustentam que faltam evidências científicas para estabelecer diretrizes mais tolerantes de doação de sangue.
“Valorizamos o altruísmo dos que querem doar”, disse, por e-mail, Mark Skinner, presidente da Federação Mundial de Hemofilia. “Reconhecemos que as políticas de preferência de doadores são por si só discriminatórias”.
“Atualmente, não temos as respostas para mudar o sistema”, acrescentou, “mas, através de pesquisas, poderemos responder às questões críticas de forma a permitir a adaptação do sistema”.
A FDA inicialmente proibiu homens homossexuais de doarem sangue quando foi reconhecido o risco de contrair HIV através de transfusões. Na época, preferiu-se manter segura a oferta de sangue. As restrições se aplicam a todos os homens que admitem terem feito sexo com outro homem a partir de 1977.
Homossexuais
Grupos defensores dos direitos dos homossexuais, bancos de sangue e cientistas consideram a proibição inconsistente com as restrições impostas a grupos de alto risco e antiquadas diante dos avanços que vêm ocorrendo nos testes com sangue doado.
É rotina examinar o sangue doado é para HIV e outros agentes infecciosos. A FDA emprega várias medidas de proteção, incluindo avaliações de doadores e testes de sangue computadorizados, a fim de garantir que sangue infectado não seja distribuído.
Desde a década de 1980, quando a proibição entrou em vigor, os testes se tornaram muito mais sensíveis e precisos. A FDA não levou isso consideração quando revisou a restrição nos últimos anos, afirmou Bebe Anderson, Diretora de Projetos de HIV do Lambda Legal, um grupo que defende os direitos dos homossexuais e que se opõe à proibição.
“Acreditamos que essa política é prejudicial e não faz nenhum sentido”, disse ela. “Recusar doadores com sangue perfeitamente normal transmite uma mensagem incorreta e prejudicial sobre os riscos de transmissão. Trata-se de avaliar os doadores com base na orientação sexual, não no risco. Isso também estigmatiza as pessoas que querem doar”.
Brad Basso, gerente de projetos de uma organização sem fins lucrativos em St. Paul, Minnesota, tentou doar sangue pela primeira vez na faculdade, mas foi recusado porque é gay. Agora, ele se vê tentando explicar aos colegas por que não pode doar quando mutirões de doação de sangue ocorrem no local de trabalho.
“Trabalho no terceiro setor, é importante para mim doar. Mas, quando não posso participar de um evento no local de trabalho, me sinto mal”, disse Basso, 31 anos. “Dou uma de professor e explico que o governo acha que meu sangue está contaminado”.
Muitas pessoas que criticam essa política concordam. Por vários anos elas vêm pedindo que a FDA exija que os homens homossexuais evitem doar sangue por 12 meses após terem feito sexo com outro homem. Eles dizem que isso tornaria a restrição similar àquelas relativas a outros doadores que se envolveram em comportamento com potencial de risco.
Este ano, a Gay Men’s Health Crisis lançou um abrangente relatório sobre a proibição, afirmando que a política deve ser modificada para permitir que homens gays de baixo risco – como aqueles que mantêm uma relação monogâmica – doem sangue sem o período de recusa, ao mesmo tempo em que rechaça homens gays de maior risco por determinado período.
Numa carta à FDA, Kerry e seus colegas senadores escreveram que a proibição perpetuava um padrão duplo sem base científica, observando que a restrição não distingue entre a atividade sexual segura e desprotegida dos homens homossexuais.
Steven Kleinman, consultor médico sênior da Associação Americana de Bancos de Sangue, uma associação internacional que se opõe à proibição, afirma que a controvérsia deriva, em parte, do fato de que a homossexualidade é um assunto socialmente carregado. “Se não fossem os homens homossexuais, as regras seriam aplicadas da mesma forma?”, ele disse.
Estatísticas
A FDA afirmou que sua política em relação aos homens gays não é discriminatória, mas que se baseia em estatísticas. Homens que fizeram sexo com outro homem a partir de 1977 apresentam índice de infecção por HIV 60 vezes maior que a população em geral, e 800 vezes maior que pessoas que doam sangue pela primeira vez. Até mesmo os testes mais precisos podem não ser capazes de detectar uma infecção por HIV num período de um ou dois meses. É por isso que a maioria das agências de coleta de sangue sugere que homens homossexuais que fizeram sexo com outro homem não doem sangue por um período de um ano (todas as agências de coleta de sangue devem obedecer às diretrizes da FDA).
Kleinman disse que, como grande parte dos testes realizados hoje em dia é computadorizada, os erros são raros. Embora mudar o período de não-doação de homens gays possa aumentar o risco de coletar sangue infectado pelo HIV, o risco é proporcional àquele representado por outros grupos de doadores com a restrição dos 12 meses. Pesquisadores da Universidade da Califórnia, em Los Angeles, descobriram que, se a proibição fosse substituída por um período de não-doação de 12 meses, cerca de 103 mil litros adicionais de sangue doado seriam coletados todos os anos. Embora isso não seja capaz de aumentar significativamente o estoque de sangue disponível, muitos especialistas sustentam que a proibição deve ser revogada por uma questão de justiça e consistência científica.
“Não existe um direito de doar sangue”, disse Kleinman. “Mas temos de nos fazer algumas perguntas: Existem questões de justiça ética envolvidas? Isso é visto como um estigma na comunidade gay? Será que revogar a proibição representaria uma mudança simbólica importante?”
fonte: UOL
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