Vibradores, bares de sadomasoquismo e a boa e velha sodomia jamais pareceram mais sentimentais do que em The Kid, um novo, singelo e emotivo musical sobre um casal gay que tenta adotar um bebê. Os parceiros homossexuais que ocupam posição central nessa produção que surpreende por não surpreender parecem realmente pessoas comuns, como os muitos norte-americanos que já vimos retratados em filmes, seriados e espetáculos que falam de casais em busca de filhos.
As preocupações dos dois sobre sua maturidade, seu preparo como pais, sua capacidade amar a pessoa que trarão à sua vida; os tremores de antecipação que resultam em brigas, insultos e reconciliações românticas; a sábia futura vovó que intervém para acalmar seus medos: todos esses elementos corriqueiros são expostos, ao som de música dançável mas gentil, em The Kid, que estreou na noite da segunda-feira em Nova York, baseado nas memórias de Dan Savage e com direção de Scott Elliott.
Qual é o problema se Dan (Christopher Sieber) e Terry (Lucas Steele) tiveram seu primeiro momento de paixão carnal (em seu primeiro encontro) na cabine de um banheiro masculino, e agora deixam brinquedos sexuais espalhados pela casa? Comparados à angustiada e iludida família suburbana de Next to Normal, o musical que conquistou o Prêmio Pulitzer de teatro este ano, o casal não poderia ser mais reconfortantemente comum.
Uma atitude de aceitação como essa funciona bem para um trabalho adaptado de livro de Savage, um sarcástico conselheiro sexual que escreve uma coluna na qual tenta tratar com bom senso tudo que se refere a erotismo. Savage é conhecido igualmente por seu humor cortante e pelo gosto por polêmicas. Mas esses traços, embora ocasionalmente sejam perceptíveis no texto, terminam por se provar secundários na produção do New Group.
No libreto (por Michael Zam), canções (por Jack Lechner e Andy Monroe) e até mesmo na direção (por Elliott, com ajuda de Josh Prince nos números músicais), o objetivo primordial de The Kid é fazer com que aquilo que poderia causar confronto pareça inclusivo, prosaico. Desde o momento em que começa o espetáculo, com Siebel atravessando o palco e saindo pelo lado oposto (para retornar com uma xícara de café), o ritmo exibido é o da vida cotidiana mais comum. Diferente de um seriado de humor como Will & Grace, cujos personagens homossexuais eram mais epigramáticos e se vestiam melhor que as pessoas comuns, The Kid parece repetir o tempo todo que ¿os gays são exatamente como nós¿.
A mensagem é transmitida com uma consistência e dedicação que se tornaram raras nos musicais contemporâneos. Ao acompanhar a nem tão tortuosa estrada do processo de adoção de Dan e Terry - que terminam por ser apresentados a Melissa (Jeannine Frumess), uma menina de 16 anos que está grávida e vivendo na rua -, The Kid caminha em ritmo gentil mas constante. A música de Monroe parece centrada em uma mesma sequência de acordes, e resiste à tentação de se tornar em paródia dos gêneros (disco music ou balada romântica) a que recorre ocasionalmente.
E embora a trama tenha um certo fator de suspense ¿nossos heróis serão autorizados a por fim receber o bebê que desejam?-, há esforços constantes para atenuar a tensão. Dan e Terry procuram um grupo de conselhos para pais adotivos, na expectativa de serem rejeitados como o único casal gay. Mas na verdade seus temores não têm motivo e os dois são recebidos instantaneamente, ainda que os colegas de grupo os informem que adoção não é fácil para pessoa alguma ("homem ou mulher, homo ou hétero", canta o conselheiro, "todos vocês terão uma espera longa à frente".)
Da mesma forma, quando um assistente social visita o apartamento deles em Seattle para determinar se é ambiente adequado para criar um bebê, Dan e Terry não conseguem manter o jogo de mentiras cosméticas que criaram para a ocasião. Mas isso tampouco é problema: o assistente social vê sua honestidade como algo de refrescante.
É claro que existe a possibilidade de que Melissa, que termina reatando com o pai do bebê (Michael Wartella), decida voltar atrás. Mas The Kid não quer causar ansiedade ao público, ainda que talvez se tornasse um espetáculo mais convincente caso o fizesse.
Isso não vale dizer que Dan e Terry não estejam nervosos, especialmente Dan, que imagina que a melhor maneira de evitar desastres é imaginar sempre que o pior vai acontecer. (Ele e Terry desenvolvem um mantra sardônico para se proteger: "Muitos bebês nascem mortos. Mães biológicas muitas vezes mudam de ideia".) Mas como diz a mãe de Dan (a convincente Jill Eikenberry), "se você acha que isso é assustador, é só esperar. Você sabe o quanto eu me assustei quando você teve sarampo pela primeira vez?" E em seguida ela canta uma balada que o reconforta, dizendo que, para ser pai, "às vezes basta estar lá".
Sieber - cujas interpretações cômicas exageradas lhe valeram indicações ao Tony por Shrek e Spamalot - se sai igualmente bem com o estilo mais discreto que seu novo trabalho requer. Corpulento e mal vestido no papel de Dan, ele conquista a plateia logo cedo com sua autoironia e charme, e jamais sai do tom para tentar conferir mais graça às falas de Dan, algumas das quais são muito engraçadas. (Ele recorda ter dito a Terry, quando os dois se conheceram, que a boca do parceiro era bonita. "Eu parecia o estuprador em Deliverance", comentou.)
E Steele não exagera no aspecto histriônico como a metade mais emotiva - e mais paternal - do casal. O elenco de apoio, muitos de cujos integrantes interpretam mais de um papel, é envolvente, relaxado e preciso. Os melhores momentos deles surgem em sequências de vídeos nas quais interpretam as pessoas que escrevem a Dan pedindo conselhos sexuais, com problemas que incluem bestialidade e certas formas especiais de fetichismo. (Os vídeos de Aron Deyo e as sequências de animação de Jeff Scher funcionam perfeitamente em companhia do cenário confortável e flexível de Derek McLane.)
Mas o único personagem que realmente me conquistou foi Melissa, uma "adolescente grávida mal cheirosa, chegada à bebida e ao ácido" (na descrição de Dan. Ela está vivendo nas ruas de Portland, Oregon, e na interpretação de Frumess o personagem é neutro, e sua expressão chapada é uma espécie de vacina contra um mundo tóxico. Ao descrever sua vida cotidiana em Spare Changin, a melhor canção do espetáculo, ela demonstra o quanto Dan e Terry são de fato convencionais.
As expressões assustadas e atônitas que os dois exibem enquanto Melissa canta espelham nossa resposta à jovem, cuja presença oferece uma passagem para um mundo que a maioria de nós não conhece. Quando ao resto de The Kid, todos já estivemos lá.
fonte: Terra
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