quarta-feira, 10 de abril de 2013

Gays relatam desafio de sair do armário em diferentes locais do Brasil

Declarar-se abertamente gay, lésbica, bissexual ou transsexual para os pais, a família, amigos e colegas em escolas ou no trabalho pode ser um desafio complexo no Brasil, onde o assunto é tema de debates acalorados. "O armário é um espaço de gerenciamento de estigmas, de um segredo, uma informação que tem um peso social muito forte. É sempre um momento de muita tensão, um ritual de passagem", avalia Fernando Teixeira Filho, professor do Departamento de Psicologia Clínica da Unesp, no campus de Assis.

Muitas famílias se mantêm unidas através desse segredo, e revelá-lo publicamente pode significar a ruptura de alguns laços, e a criação de novos, diz o psicólogo, indicando que diversos fatores influenciam as reações de aceitação ou rejeição. Teixeira Filho diz que entre os que mais sofrem atualmente estão os transexuais, "que em geral sempre enfrentam uma reação péssima", e os bissexuais, que vivem em "um armário dentro de um armário" e sofrem preconceito de todos os lados. Veja alguns depoimentos concedidos à BBC Brasil:

Lilo OliveiraLilo Oliveira, universitária
"Tenho 20 anos, sou homossexual assumida e namoro uma linda guria. Como é ser homossexual nos dias de hoje? Bem, eu tenho me sentido como em uma guerra, na qual há aqueles fanáticos por religião, que zelam por seus preconceitos por detrás de palavras de um livro. Eu quero ter uma família, eu quero que minha namorada se torne minha esposa, queremos filhos, sonhamos com o casamento, morar juntas, dividir as coisas, como grande parte das mulheres sonham. Me questiono por que é mais fácil aceitar a violência do que o amor. Por que é tão natural ver mais uma mãe que jogou seu filho fora do que um casal homossexual adotá-lo.

Para muitos, não temos religião - para nós, é na fé de algo melhor que continuamos a lutar por respeito, por um mundo onde vivamos em paz. Nos chamam de desgraça, de fim do mundo, de vergonha, de intolerantes, de vítimas sem motivos, de câncer social, mas eu olho a foto ao lado, e vejo amor, vejo sonhos, futuros, vejo brigas, risadas, desentendimentos, vejo um casal como qualquer outro. Ser homossexual hoje é acreditar que amanhã as coisas hão de melhorar, é não abaixar a cabeça, é ter antes de tudo orgulho de si mesmo e saber que não há nada de errado com você. E mostrar para a sociedade que não há mal nenhum em amar."

Thiago MonferdiniThiago Monferdini, 25 anos, redator publicitário
"Me assumi lá no começo dos anos 2000, em uma cidade de cerca de 30 mil habitantes no sul de Minas Gerais, que é provinciana ao extremo. Fácil? Não, não foi. Houve desmaios e gritos. Pedidos de perdão para encher agendas de analistas de toda a região, mas me lembro de uma sensação, a de liberdade.

As três palavras mágicas 'eu sou gay' libertam! Eu prometo. Não existe nenhum olhar torto no mundo, nenhum cuspe na cara que dane a sensação de ter sido honesto consigo mesmo. As dores e prazeres são as maiores constâncias na vida de um homossexual, mas que chato seria se estas não existissem, não é? Hoje, liberto da cidade e do preconceito dos pais, eu afirmo: eu sou gay. Ouviu?"

Júlio Cézar MirandaJúlio Cézar Miranda, psicólogo
"Tenho 26 anos, moro em São Paulo, sou psicólogo e ser gay hoje é algo que ainda desperta muito a curiosidade de todos. Muitos que se dizem héteros têm muita curiosidade ao saber como se dão as relações com gays e afins. Tendo intimidade, então, as coisas mudam: a pessoa quer se descobrir. O prazer está em voga em nossa sociedade, a casualidade, o momento, o lance.

Ao me assumir em casa, meus pais sabiam já, mas se negavam a acreditar. É destruir sonhos patriarcais, laços familiares, sangue. É não viver conforme o padrão social e, com isso, fazer com que tudo e todos ao redor se desestruturem. Foi difícil, sim, pois as pessoas não são obrigadas a me aceitar como sou. Mas o que se passa comigo e com o meu interior e se isso está me fazendo feliz ou não é de direito coletivo? Afinal, pago minhas contas, impostos e não tenho privilégios por ser homossexual, e sim levo garrafadas e olhares tortos nas ruas por apenas ser quem sou. Sou um homem comum como qualquer outro, porém gosto de outros homens. Não acordei um dia de manhã e escolhi ser gay. Afinal, quem quer escolher o modo mais difícil de se viver? Ser gay não é escolha, e sim estado natural de viver."

Júnior MilérioJúnior Milério, 28 anos, jornalista
"Por volta dos 14 anos, disse para minha mãe que me interesso por meninos, e não por meninas. Com aquela idade, eu não imaginava o quanto a sexualidade de uma pessoa interfere na vida social. Meu interesse por meninos sempre foi natural, eu não escolhi. Ser gay não é uma opção. Nasci e cresci no interior de São Paulo e lá não há grupos de apoio a pais de gays, diferente de São Paulo hoje em dia, por exemplo. Então, minha mãe e eu tivemos que redescobrir, sozinhos, como amar novamente. E descobrimos. Garanto que o amor - acima de tudo o amor dentro de casa - me ajuda a ser completo na sociedade.

Foi na universidade, quando me mudei para Campinas para estudar, que me entendi como gay e cidadão por completo. Desde então, minha batalha é diária para ser respeitado, mas não com violência. Minha arma contra o preconceito e a homofobia é a minha educação, minha formação. A gente que sofre preconceito, seja racial, sexual, social, se cobra muito para ser melhor, numa tentativa quase inglória de compensar alguma coisa que é vista como menos ou inferior.

A falta de respeito. Essa é a principal dificuldade. O respeito é a base de qualquer relação. Da afetiva à social. Respeitar! A violência não é apenas quando um gay é agredido na rua. Esse é o cúmulo, o absurdo, o ápice da violência. Mas o princípio da violência é o desrespeito pelo que é diferente. Eu me sinto agredido quando quero ser cidadão e doar sangue e não posso. Quando vejo gente precisando de medula e sou proibido de fazer doação. E me sinto desrespeitado quando, apesar de ser proibido disso e de tantas outras coisas mais, me cobram impostos. Declaro imposto de renda. Pago minhas contas."

Andréia, 28 anos, advogada
"A primeira pessoa para quem eu contei da minha então recentíssima descoberta de 'gostar de meninas' foi há 12 anos, quando eu tinha 16 anos, e foi bem tranquilo. Poucos meses depois, meu pai descobriu por conta de um 'vacilo' meu. O momento da revelação foi um pouco tenso, pois na época nem eu sabia exatamente como me posicionar sobre o assunto. Meu pai me disse que se preocupava com o que eu poderia sofrer, mas afirmou que quem estivesse contra mim, estaria contra ele. Em seguida, com a minha autorização, contou para minha mãe, que ficou péssima e por anos não tocou no assunto comigo. Um dia, quando eu já tinha uns 19 anos, me deu uma revista cuja matéria de capa falava sobre lésbicas. Foi a forma de dizer que me aceitava.

Hoje meus pais tratam naturalmente o assunto e não fazem qualquer diferença entre minha namorada e a do meu irmão: tratam ambas muito bem e com muito carinho. Nunca sofri qualquer discriminação em casa. No entanto, sei que o posicionamento da minha família não é a regra. Tive problemas com os pais de diversas namoradas. De uma delas, a mãe tomou celular, dinheiro, carro, tudo. Proibiu de me ver, mandou para a terapia, nada adiantou. Isso foi no primeiro ano de relacionamento. Depois disso, namoramos mais cinco anos (dois dos quais moramos juntas no exterior).

Quanto aos meus amigos, nunca tive nenhum problema em me assumir gay. Todos, até mesmo os mais machistas, religiosos ou tradicionais, me aceitaram muito bem. Resumindo tudo isso, na prática vejo que o preconceito existe, mas a discriminação por orientação sexual é mais velada se o gay tiver boa condição social e nível profissional/educacional mais elevado. E que a postura de cada um perante o mundo contribui, em muito, para a quebra dos paradigmas."

César MartinsCésar Martins, 31 anos, produtor de moda e figurinista
"Quando fiquei com um menino pela primeira vez, aos 18 anos, contei para minha mãe e ela teve uma reação inusitada, dizendo 'eu sou sua mãe, eu não sou burra'. Desde pequeno eu já sabia, e nunca mexeu comigo. Me incomodava mais que me chamassem de magro do que de bicha. Sempre fui muito tranquilo. Meus pais sempre me deram todos os brinquedos que eu pedi, e não eram convencionais para meninos.

Meu pai nunca tocou no assunto, mas meus namorados dormem em casa, no meu quarto, e fazem parte da família, sem nenhum problema. Quanto ao ambiente profissional, sempre trabalhei com moda, e acho que, na verdade, não ser gay seria um problema. As modelos, por exemplo, teriam vergonha de se trocar na minha frente. Eu acho que ficou mais fácil, hoje em dia, 'sair do armário'. Acho que se fala mais do assunto, veio mais à tona na sociedade."

fonte: BBC Brasil

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