Jacksonville, na Flórida, já foi hostil a homossexuais. Mas hoje até as igrejas aceitam casais gays.
Ser gay na cidade de Jacksonville, na Flórida, já foi sinônimo de uma existência solitária. A maioria das pessoas mantinha sua sexualidade em segredo e sabia dos perigos de revelar sua preferência sexual, desde que uma igreja favorável aos homossexuais sofreu um ataque a bomba na década de 1980. Atualmente, porém, há oito igrejas que estão de portas abertas para os gays. Uma delas até mesmo aceita casais homossexuais com filhos.
As mudanças são surpreendentes em uma cidade onde as igrejas, que há muito tempo condenam a homossexualidade, continuam a ter muito poder. Na verdade, depois de analisaram os dados divulgados pelo departamento de pesquisas do censo americano, os demógrafos descobriram que Jacksonville é o lar de uma das maiores populações de pais homossexuais dos Estados Unidos.
Além disso, os dados mostram que a criação de filhos por casais do mesmo sexo é mais comum no sul do que em qualquer outra região do país. Gary Gates, demógrafo da Universidade da Califórnia em Los Angeles, confirma essa informação.
Há maior probabilidade de casais homossexuais do Arkansas, da Louisiana, do Mississipi e do Texas terem filhos do que seus correspondentes da costa oeste e do nordeste. O padrão identificado por Gates também é importante, porque as famílias da região desafiam o estereótipo de uma América homossexual em geral branca, endinheirada, urbana, que vive no nordeste ou na costa oeste do país.
"Estamos começando a perceber que a comunidade gay é muito diversificada", diz Bob Witeck, diretor executivo da Witeck-Combs Communications, que ajudou a realizar o censo.
"Não somos todos brancos e ricos. Os casais homossexuais negros ou latinos têm duas vezes mais probabilidade de criar filhos do que os brancos", afirma Gates, citando dados de uma amostragem do censo, chamada de Pesquisa da Comunidade Americana. Além disso, eles também têm maiores chances de estarem em dificuldades econômicas do que os brancos.
Segundo Gates, muitos casais homossexuais, possivelmente a maioria, começaram seus relacionamentos atuais após terem filhos com parceiros heterossexuais.
Parece ter sido o caso de muitos negros e latinos de Jacksonville, para os quais a desaprovação da igreja pesa bastante.
"Nós crescemos na igreja, por isso muitos de nós sentem vergonha", conta Darlene Maffett, 43, moradora de Jacksonville, que teve dois filhos em oito anos de casamento, antes de sair do armário em 2002. "O que nós fizemos? Nós vagamos perdidos. Casamos com homens e depois não conseguíamos entender por que sentíamos dores de cabeça todas as noites."
Além disso, de acordo com o censo, os homens gays geralmente têm filhos três anos antes dos homens heterossexuais. Ao mesmo tempo, enquanto o número de mulheres brancas em idade fértil diminui no país, cresce o número de mulheres férteis pertencentes às minorias.
Jacksonville já chamava a atenção de Maffett mesmo antes de ela se mudar para lá. Embora os moradores homossexuais permanecessem escondidos, havia uma igreja aberta aos fiéis gays. Em 2003, ela passou a dirigir 90 minutos todos os domingos até a cidade, só para participar do culto.
Maffett apreciava a segurança da igreja em Jacksonville. Seu pai era um pastor batista e seu ex-marido frequentava a Igreja de Cristo. Portanto, ela sabia da antipatia de muitas igrejas em relação aos homossexuais. Mesmo assim, ela sentiu pouca ligação com a congregação gay de Jacksonville _ de maioria branca, do sexo masculino e sem filhos.
"Os pastores eram todos brancos", diz Maffett, que é negra. "Eles eram legais, mas sentíamos que eles não sabiam como cuidar das crianças."
Foi quando ela conheceu Valerie Williams, 33, que fazia parte da comunidade gay há anos. Quando a primeira igreja aberta aos negros homossexuais foi inaugurada em 2007, ela decidiu que era preciso dar um passo."As pessoas estavam procurando coisas para fazer com seus filhos e não tinham para onde ir", diz ela.
Então, no verão passado, Williams tornou-se pastora da Igreja St. Luke e imediatamente estabeleceu um programa para jovens. A participação da congregação de várias raças cresceu de 25 para 90 pessoas em poucos meses. "De repente, vimos muitas mulheres que tinham filhos, revelando sua homossexualidade", conta Maffett.
Em 2009, o censo constatou que havia cerca de 581.000 casais do mesmo sexo nos Estados Unidos. A pesquisa não contabilizou os gays solteiros.
Aproximadamente um terço das lésbicas e um quinto dos homens gays têm filhos. Os grupos de defesa dos homossexuais argumentam que seus filhos estão muito vulneráveis na sociedade, com menos proteção legal e cobertura médica do que os filhos de pais heterossexuais.
Mesmo assim, eles foram deixados de fora dos debates da política nacional, pois o censo não realizou sua primeira contagem preliminar de casais do mesmo sexo até 1990. Este ano, o censo contabilizará pela primeira vez os parceiros do mesmo que se casaram. "Nós não sabemos muito sobre este grupo, pois sua história ainda não foi contada", diz Gates.
Segundo a pesquisa de 2009, 32 por cento dos casais homossexuais de Jacksonville têm filhos. A cidade perde apenas para San Antonio, onde a taxa é de 34%.
Alguns pais gays de Jacksonville dizem que a vida familiar pode ser complicada. Cynthia, que é mãe de uma menina de 9 anos, pode ser ela mesma durante os ensaios de líder de torcida da filha, pois as aulas são dadas longe de sua casa. Porém, na escola da filha, ela não conta a ninguém que é gay, pois sua companheira, Monique, leciona lá.
Elas dizem que a menina acaba recebendo uma mensagem contraditória. "Tudo fica confuso, pois falamos para ela ser honesta, não mentir, mas precisa manter esta informação no armário", afirma Monique, que pediu para que os sobrenomes do casal não fossem revelados, a fim de proteger sua privacidade no trabalho.
Williams confronta os problemas diretamente com um programa chamado "Youth Power Hour", uma espécie de grupo de aconselhamento para crianças de pais gays. Em janeiro, cerca de 20 jovens discutiram seus problemas durante um jantar preparado por um dos moderadores.
"Aquela menina da escola está sempre me agredindo", contou Diantra, de 9 anos. Williams respondeu para toda a sala: "Lembram-se do que dissemos? Chamem um adulto".
A filha de Cynthia, que participa do grupo, disse que o espírito de comunidade tem ajudado. "É bom estar perto de pessoas que não têm apenas mamães e papais", disse ela, puxando as tranças nervosamente. "Eu gosto porque não me sinto mais sozinha", completou.
Pais do mesmo sexo que são casados enfrentam obstáculos legais. O estado da Flórida não reconhece o casamento gay e o reconhecimento de uniões estáveis ainda é uma colcha de retalhos que deixa muitas brechas.
Mesmo quando os empregadores concordam em oferecer cobertura às uniões estáveis, os casais pagam impostos mais elevados, pois, sem o reconhecimento oficial de seu status, a cobertura médica é considerada rendimento tributável. Até recentemente, a Flórida era um dos estados que proibia expressamente a adoção de crianças por casais gays.
"É lamentável que os direitos básicos de saúde, impostos e as relações entre pais e filhos estejam tão ligados à política e a táticas assustadoras", diz Michelle Pico, advogada da American Airlines, que enfrenta alguns destes problemas no Texas.
Mas o dinheiro é geralmente o problema mais imediato. Ty Francis, que trabalha no atendimento ao cliente de um banco, sustenta seis crianças com sua companheira, Rosalyn Cooley, da área de saúde."Estou quase pedindo seguro desemprego", desabafa ela.
Entretanto, as dificuldades financeiras não diminuem o entusiasmo de lutar pela aceitação, nessa cidade conservadora. Um outdoor que apoiava jovens gays e lésbicas não provocou desprezo ou boicote do público e as paradas do orgulho gay já são realizadas há alguns anos em Jacksonville.
Williams compara os esforços da comunidade às lutas dos movimentos pelos direitos civis. "Eu realmente acredito que, com o tempo, tudo isso vai passar", diz ela.
fonte: G1
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