Deputado defende projeto de lei que pune os gays até com pena de morte. Ex-bispo anglicano rebate: "Não se pode transformar amor em morte"
David Bahati, 34 anos, ganhou fama internacional logo no primeiro mandato como deputado em Uganda. Na manhã em que recebeu o G1 para falar sobre seu polêmico projeto contra o homossexualismo, ele estava na capa dos principais jornais do país. As informações diziam que a Inglaterra, antiga metrópole de Uganda, pretende impedir a entrada de Bahati no país depois que ele elaborou uma lei que prevê até pena de morte para os gays. Ela tramita no Parlamento desde outubro de 2008 e deve ser votada no final de maio. Precisa de maioria simples, 151 votos, para ser aprovada.
Bahati defende que seu texto é um aprimoramento de uma lei antigays de 1949 que está em vigor em Uganda.
"Nossa lei atual não define homossexualismo, é muito vaga. Neste novo projeto, não aceitamos a homossexualidade como uma opção sexual. Ela deve ser tratada como um crime como qualquer outro, como roubar, por exemplo. É um mal. Não é um direito humano", justifica. "Os homossexuais devem ser retirados das ruas, devem ser presos."
As diferenças principais entre a lei atual e o projeto proposto por Bahati são a inclusão da pena de morte para alguém que tentar persuadir uma criança a ser gay e a não obrigatoriedade do flagrante do ato sexual para condenar uma pessoa. Ou seja, se alguém se declarar ou for "comprovadamente" gay será condenado à prisão perpétua.
"Acredito que no momento isto é o melhor que podemos oferecer para proteger nossas famílias e nossas crianças. Temos a preocupação de que o homossexualismo destrua a nossa sociedade. Já tivemos casos de gays distribuindo panfletos na porta de escolas, tentando corromper nossas crianças. Precisamos lutar contra isso. O projeto está passando por um processo democrático no Parlamento, como qualquer outro. Se não fecharmos a porta para o homossexualismo agora, será muito difícil fazer isso no futuro", afirma.
O deputado explica que se baseou na bíblia para formular o texto. Durante a entrevista, várias vezes colocou a mão sobre ela enquanto argumentava.
"Aqui na Bíblia está muito claro que o homossexualismo é crime e que deve ser punido com a pena de morte. Deus nos criou para termos relações heterossexuais, entre homens e mulheres. Qualquer coisa diferente disso é abuso sexual."
Bispo considera lei 'lamentável'
Mas o argumento contrário vem justamente de um religioso. O bispo anglicano Christopher Senyonjo, afastado da igreja, segundo ele, por ser favorável ao direito individual de escolha da própria sexualidade, considera a lei de Bahati "lamentável".
Esta lei vai contra os direitos humanos e mostra que ainda há muita ignorância sobre a sexualidade humana. Precisamos aprender que há diferenças, mas isso leva tempo. Você jamais pode transformar amor em ódio ou em morte."
"Ela vai contra os direitos humanos e mostra que ainda há muita ignorância sobre a sexualidade humana. Para muita gente, não só na África, sexualidade tem a ver apenas com heterossexualidade, mas essa não é a realidade. Precisamos aprender que há diferenças, mas isso leva tempo. Você jamais pode transformar amor em ódio ou em morte. O amor é a coisa mais bonita do ser humano e é lamentável que por você amar uma outra pessoa você possa ser severamente punido", critica.
Senyonjo apressa-se para dizer que não é homossexual. É casado desde 1963 e tem 10 filhos. Segundo ele, sua luta é por todas as minorias discriminadas em Uganda. Hoje ele tem uma espécie de consultório, onde atende de graça qualquer pessoa que se sinta vítima de preconceito.
"Jesus nunca falou sobre homossexualidade. As pessoas se baseiam em coisas que Ele não disse e fazem coisas que Ele certamente não aprovaria. O que explico a quem me procura é que se você acredita em Deus Ele sempre estará com você, seja você heterossexual ou homossexual. Jesus veio para salvar todos os homens, de todos os tipos, e entende todos nós."
Mas o bispo é uma das poucas vozes de defendem os direitos homossexuais em Uganda. É consenso entre os que defendem e os que atacam o projeto que a maioria da população o aprova. Em fevereiro, cerca de 25 mil pessoas fizeram uma manifestação a favor da lei em Jinja, segunda maior cidade do país.
"É uma lei muito popular. Por isso acho que passará no Parlamento, afinal os parlamentares são os representantes do povo. Já sei de muitos deputados que estão recebendo ofertas de organizações internacionais para votar contra o projeto. Mas mesmo assim isso não impedirá a aprovação porque o povo quer essa lei", afirma James Obuturo, Ministro da Ética e Integridade.
Obuturo é a favor da lei, discorda apenas da pena de morte. Se ela for mesmo sancionada, Uganda será o quinto país africano a usar a pena capital contra os gays (os outros são Sudão, Mauritânia e regiões da Nigéria e da Somália). Em mais de 30 países do continente a homossexualidade é crime. A exceção é a África do Sul, onde a união é permitida.
O ministro diz que não se importa com as sanções internacionais prometidas por países como a Suécia e diz que ninguém pode interferir nos assuntos internos de Uganda. Estimativas de 2004 apontam que metade do orçamento de Uganda vem do exterior. O presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, também já se posicionou contra o projeto, classificando-o de "inaceitável" e "odioso".
"A homossexualidade é abominável de acordo com nossa cultura, nossos valores. É assim que somos. Por isso, acho totalmente errado que qualquer país, por mais forte que seja, queira impor seus valores em Uganda, nos dizer o que é certo ou errado. Fico triste com a reação internacional, porque ninguém pode interferir na nossa soberania. Mas nós em Uganda temos duas escolhas a fazer. Ou apoiar os valores dos outros ou lutar pelos interesses do nosso país", defende o ministro.
Uganda rejeitou proposta do Brasil
Um dos países atacados por Obuturo é o Brasil, que já propôs uma discussão na ONU sobre os direitos dos homossexuais.
"O Brasil tentou, ao lado da França, aprovar uma resolução na ONU dizendo que o homossexualismo é um direito humano", diz Obuturo. "Obviamente isso foi rejeitado por muitos países, inclusive por Uganda. É uma arrogância cultural dizer: 'Apesar de esses não serem os seus valores, eles são os meus e eu simplesmente espero que você os siga, como eu faço'".
O deputado Bahati também reclama da pressão internacional e acusa instituições de países como Suécia, Austrália, Inglaterra e Estados Unidos de "financiarem a proliferação do homossexualismo em Uganda". Ele culpa os gays por corrupção de menores e diz que seu projeto visa "defender as crianças e a tradicional família de Uganda".
O bispo Senyonjo lamenta a associação entre homossexualismo e pedofilia.
"Para mim, se algo que você faz não interfere na vida do outro essa ação só diz respeito a você. Essa é a diferença do homossexualismo para o estupro ou a pedofilia, que são praticados sem o consentimento da outra pessoa e que, por isso, são crime. Já o homossexualismo trata-se da escolha de dois indivíduos. As pessoas aqui tentam sempre relacionar homossexualismo com pedofilia, mas a pedofilia pode ser praticada também por heterossexuais. É um crime que ultrapassa a opção sexual de cada um."
fonte: G1
"(...)É uma arrogância cultural dizer: 'Apesar de esses não serem os seus valores, eles são os meus e eu simplesmente espero que você os siga, como eu faço'".
ResponderExcluirentão como é que ele justifica essa lei absurda?