quarta-feira, 1 de junho de 2011

Lea T. abre o jogo: ‘vou sofrer preconceito o resto da vida, mas espero que as próximas gerações não sofram’

Lea T. Blue ManInstalada na suíte presidencial do Copacabana Palace, a modelo transexual brasileira Lea T., filha do ex-jogador de futebol Toninho Cerezo, descansa depois de um dia de fotos para uma campanha, na Praia de Ipanema. Na sessão, usou maiô engana-mamãe e posou para o fotógrafo Terry Richardson, conhecido como o rei da pornografia fashion. Lea é tratada como a grande estrela deste Fashion Rio, onde vai desfilar para a grife de moda praia Blue Man. Será sua primeira vez usando biquíni na passarela. E isso, ela reconhece, é um risco. Embora tenha feito tratamento hormonal, psicológico e psiquiátrico para fazer a mudança de sexo, ela decidiu adiar a cirurgia por estar aceitando melhor seu corpo. Por isso, avisa: vai "esconder" o pênis.

- Descobri uma técnica: puxar tudo para trás e grudar com esparadrapo. Parece que funciona - diz Lea, que fala baixo e devagar. - Espero que as pessoas entendam a proposta. Afinal, eu não sou uma mulher, não sou Gisele Bündchen. As pessoas já exigem o impossível de uma mulher, imagine de uma transexual.

Ao receber o convite para desfilar no Rio, Lea consultou seu melhor amigo e mentor Riccardo Ticsi, estilista da Givenchy. Foi ele quem lançou a modelo transexual no mundo da moda, depois de colocá-la na campanha e na passarela da maison francesa provocando polêmica. Desde então, Lea se transformou em ícone fashion. Posou nua para a "Vogue" francesa e estampou a capa da revista "Love" beijando Kate Moss na boca. Foi Riccardo também quem incentivou a modelo a aceitar a proposta da Blue Man:

- O Riccardo achou simpático e engraçado. E me disse: "O máximo que pode acontecer é aparecer um volume na calcinha. Mas e daí? A gente ri junto depois - conta a modelo, que tem 29 anos e começou a carreira há pouco mais de um ano.

Nascida Leandro Cerezo, ela conta que nunca se sentiu gay e, na verdade, se sente uma mulher num corpo masculino. Quando decidiu ser transexual, adotou o nome Lea T.. Lea vem de Leo. E T. vem de Tisci, sobrenome do estilista da Givenchy, considerado por ela um "irmão". Os dois são amigos há mais de uma década, e ela chegou a trabalhar como assistente dele na maison.

A modelo diz que não se acha bonita, trata sua transexualidade como "distúrbio de gênero" e diz que diariamente sofre preconceito. Certa vez, levou um soco na boca numa boate em Miami ao defender uma amiga que foi tratada "como vagabunda por estar acompanhada de gays". E diz que sofreu muito quando decidiu se tornar uma transexual. Pensou até em se matar. Ela conta que fica irada quando alguma amiga transexual é vítima de homofobia:

- Eu parto pra cima. Não quero nem saber. O povo tem que me segurar porque fico perigosa.

Lea mora em Milão e não pretende investir tudo na carreira de modelo. Na Europa, é contratada da agência Women ("Uma ironia este nome", brinca). No Brasil, integra o casting da Way Models. Seu maior arrependimento foi não ter cursado Veterinária.

Quando recebeu o convite de Tisci para posar para a campanha da Givenchy, aceitou sob a condição de declarar ser transexual. Estava decidida a passar "uma mensagem ao mundo" e ajudar, de alguma forma, as outras transexuais que sofrem preconceito e se veem, muitas vezes, sem espaço no mercado de trabalho e relegadas à prostituição.

- Quero falar de pessoas como eu (transexuais) de uma maneira mais respeitosa. E mostrar também que tenho o apoio da minha família. Sei que vou sofrer preconceito para o resto da vida, mas espero que as próximas gerações não sofram com isso.

Solteira, ela explica que pode se apaixonar tanto por um homem quanto por uma mulher ("Gosto é das pessoas", diz). No Brasil, admira Roberta Close ("Ela calou a boca de muita gente") e Rogéria.

Pioneira ao abrir as portas do segmento fashion para as transexuais, Lea hoje é a pessoa mais famosa de sua família, embora faça questão de citar o pai como o grande ídolo do clã Cerezo. A modelo diz receber apoio em casa e revela que, vez por outra, até eles se confundem:

- Meu pai e minha mãe, às vezes, me chamam de Leo.

fonte: O Globo

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