Grupo de doze sacerdotes divulga texto pedindo legalização da união gay na Argentina.
Um grupo de padres católicos na Argentina publicou um documento defendendo o casamento gay. Na última semana, os doze sacerdotes de Córdoba que integram o Grupo Sacerdotal Enrique Angelelli contrariaram os posicionamentos oficiais da Santa Sé e deram opiniões muito mais tolerantes acerca do projeto de reforma do Código Civil argentino, que vem sendo discutido pelo parlamento do país e que inclui o reconhecimento legal de uniões entre pessoas do mesmo sexo.
No texto, que você confere na íntegra logo abaixo, os padres usam passagens bíblicas para afirmar que Jesus Cristo nunca condenou a homossexualidade.
É óbvio que a iniciativa gerou reações por parte dos setores conservadores da Igreja Católica. O bispado de Córdoba se apressou em declarar que a opinião dos doze padres "não representa de forma alguma o sentimento da Igreja Católica". Em nota, as autoridades religiosas pediram que senadores se oponham ao projeto "para o bem do país e de suas futuras gerações".
Leia o texto divulgado pelos padres defensores da união gay:
Contribuição ao debate sobre as alterações na lei do casamento civil
"Deus é amor, quem permanece no amor permanece em Deus e Deus nele." São João.
"Deus é espírito, onde está o Espírito está a liberdade." São Paulo aos Coríntios.
"Não há diferença entre judeu e grego, escravo e livre, homem e mulher, porque todos vós sois um só em Cristo Jesus." São Paulo aos Gálatas.
Diante da possibilidade de uma lei permitindo que pessoas do mesmo sexo se tornem um "matrimônio", e vivam uma experiência profunda do amor e da sexualidade, entendemos que a sua aprovação, acompanhamento e aprofundamento nos coloca no caminho do Evangelho de Jesus. Um Jesus que revelou o rosto amoroso de Deus. A Igreja oficial e seus pontos de vista nem sempre ou necessariamente coincidem com o Evangelho. Este assunto é um exemplo.
Vejamos:
- Jesus nunca estabeleceu uma doutrina fechada sobre casamento, simplesmente seguiu os costumes do seu tempo, e avançou ao reconhecer e defender de maneira especial as mulheres, em um contexto social machista e patriarcal...
- Jesus jamais condenou ou mencionou a homossexualidade, mas sim enfrentou os soberbos, os que acreditavam ser puros, aos que tinham o poder opressor, os que escravizavam, os que humilhavam...
- Jesus sempre colocou a lei a serviço de uma humanização maior, onde o centro seja a pessoa, sobretudo os excluídos, os esquecidos, os últimos...
- O termo "homossexual" não aparece na literatura até o final do século 19. Nos tempos bíblicos não havia uma compreensão do que atualmente entendemos por orientação sexual... mal se poderia condenar a homossexualidade ....
- Toda a Revelação bíblica aponta para a prioridade do amor, sem qualquer exclusão, e com predileção pelos marginalizados, pelos proscritos, pelos párias, pelos negligenciados, pelos acusados...
- Se alguns textos do Antigo Testamento parecem condenar a homossexualidade, na verdade o que rejeitam é a idolatria a que tal prática se ligava, ou, como no caso de Sodoma, a falta de hospitalidade. Em Ezequiel 16,49-50, por exemplo, "Sodoma" é soberba, gula e não socorrer o pobre e o indigente; ou seja, não tem nada a ver com um "pecado sexual". Além disso, os textos do Antigo Testamento nunca se referem às lésbicas, só falam de varões.
- Se alguns textos das cartas apostólicas incluem a homossexualidade em suas listas de "pecado", é apenas para adaptar-se aos códigos morais greco-romanos, e neste sentido recordar o pecado de idolatria que tais costumes significavam, ou condenar as práticas de abuso, prepotência, exploração sexual, sejam estas hétero ou homossexuais, mas de maneira nenhuma expressar uma condenação à homossexualidade enquanto tal...
- Toda a Revelação bíblica, e com mais razão o Novo Testamento, não é um código de moral. Citar textos isoladamente para condenar a homossexualidade é um fundamentalismo anacrônico, incapaz de compreender os textos em seu ambiente histórico específico. É utilizar alguns textos para justificar seus próprios preconceitos. Fazer da Bíblia um manual de moral sexual seria cair em um legalismo judaico criticado por Jesus. A Bíblia é a Revelação de um Deus que nos quer ver livres, alegres e felizes, e por isso nos convida a enfrentar tudo o que oprime, discrimina, rejeitada, expulsa, odeia, segrega e separa.
Entendemos a homossexualidade como uma maneira distinta, diferente e diversa de se viver a sexualidade e o amor; e não como uma raridade e menos ainda como uma doença. Fez 37 anos que a homossexualidade já não é considerada um transtorno psiquiátrico, e Organização das Nações Unidas (ONU), através da OMS (Organização Mundial de Saúde), a excluiu da classificação de transtorno mental em 17 de Maio de 1990, por considerar com critérios científicos que não correspondia a uma patologia, mas que é parte da diversidade do ser humano.
Quem pode negar que pessoas do mesmo sexo não possam viver de maneira adulta, livre e responsável a sua própria sexualidade? Ninguém pode, e menos ainda em nome de Deus, afirmar que só haja uma maneira de se viver a sexualidade e o amor. A natureza, rica em multiplicidade, também nos ensina que a diversidade não lhe faz oposição, mas a embeleza. Citar a “lei natural” para colocar-se contra esta legislação é apenas uma posição fixista, dura e congelada da realidade pretendida como "natural", sem entender os complexos processos culturais.
Entendemos que um legislador pode professar profundamente sua fé cristã e católica e, ao mesmo tempo, com total liberdade de consciência, pensar, definir e agir diferentemente do que propõe a hierarquia eclesiástica. Na Igreja Católica não há um "pensamento único", há lugar para a diversidade e para a pluralidade. Além do mais, um legislador não legisla para a comunidade católica, legisla para todos os cidadãos. Ninguém deveria se ofender ou se incomodar, pelo contrário, deveria ser motivo de alegria que pessoas do mesmo sexo - tradicionalmente ridicularizadas, discriminadas, condenadas, estigmatizadas, amaldiçoadas, vítimas de preconceitos e obrigadas a viver na clandestinidade, ocultando seus sentimentos mais profundos – hoje possam se sentir livres e amparadas por uma lei da Nação que reconhece seu direito ao amor e à família, não como uma concessão relutante, mas como um direito inalienável.
Grupo Sacerdotal Enrique Angelelli
Pe. Nicolás Alessio
Província de Córdoba
Argentina
fonte: Mix Brasil
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