quinta-feira, 21 de janeiro de 2010

Espetáculos em cartaz em Belo Horizonte tratam de relações homoafetivas

Muitas com encenação caricatural das personagens gays, outras na contramão desse tipo de abordagem

Os atores Aloísio Pires e Gustavo Marquezini em Dois de Paus Preconceito é prejudicial à saúde mental da sociedade. Quem adverte é o militante, músico e ator Roberto Draps. Criador do grupo de poesia cênica Vírus Mundanos e da extinta banda de rock Incrível Rúcula, ele atua no Programa de Redução de Danos do Ministério da Saúde e continua atento à cultura. Para Draps, e boa parte de ativistas pela livre orientação sexual, o tratamento estereotipado do personagem gay no teatro mineiro reforça a discriminação. “Este é um tipo de brincadeira que passa dos limites. Vivemos numa sociedade que nos associa a ideias de futilidade, vaidade e consumo. Isso é um desserviço que a cultura não precisa oferecer, porque nos faz, como sociedade, retroceder no tempo”, critica o artista. Mas, na contramão das abordagens caricatas, em grande quantidade em cartaz na Campanha de Popularização do Teatro e da Dança, dois espetáculos fogem à regra e levam para a cena relações homoafetivas poucas vezes vistas nos palcos da cidade.

Dois de paus é, sem dúvida, a melhor delas. Com direção de Fernando Veríssimo e texto de Arthur Tadeu Curado, a peça mostra os atores Aloísio Pires e Gustavo Marquezini como Júlio e Alex. Eles são um casal que, depois do romantismo da aproximação, passa por crise gerada por ciúmes e falta de atenção de um com as demandas sobretudo emocionais do outro. Embora esteja qualificado como comédia, o espetáculo elimina o escracho tratado como convencional nesse tipo de montagem e deixa para o público dimensão mais próxima do real nas relações homossexuais. “O que nos chamou atenção nesse texto é que o gay não é tratado como algo carnavalesco. Fizemos várias leituras, inclusive com casal hétero, e vimos que o resultado é o mesmo. Desmistificamos essa ideia do espalhafatoso, de que o gay tem que ser o engraçado da festa para justificar sua presença”, comenta Aloísio Pires.

Diplomático, o ator não critica outros trabalhos. Ele, inclusive, já esteve à frente de montagens como Alfredo virou a mão, mas concorda que Dois de paus está mais perto da realidade que as caricaturas predominantes. “Toda proposta é válida e eu respeito. Mas às vezes ocorre de aparecer um texto tão maravilhoso quanto o do Arthur, que é um autor de Brasília, muito talentoso. Então, é preciso aproveitar a oportunidade”, diz. Durante a trama, o casal troca afetos e se beija com tanta naturalidade que o que poderia ser compreendido como provocação chega à plateia com delicadeza. “Foi difícil no começo. Só conseguimos ensaiar essa parte uma semana antes da estreia, mas vencemos o desafio e o público percebe isso”, avalia.

Marco Fugga contracena com Pedro Cabizuca em Bom CriouloRomance

Com direção ainda imatura e lapsos que merecem aperfeiçoamento, mas ótimo trabalho de ator, Bom crioulo é um romance que parte de obra literária homônima, de Adolfo Caminha. Marco Fugga é o protagonista Amaro, um marinheiro oprimido que não compreende a atração que sente por outros homens e o desinteresse por mulheres. Quando conhece Aleixo, jovem e atraente colega da Marinha, ele se dá conta de que está diante da mais importante descoberta, que mudaria o destino de muitas pessoas. Amaro conquista Aleixo, mas eles se relacionam de forma desigual. Possessivo, Amaro exagera e leva às últimas consequências o seu desejo. “Ele sofre muito com esse amor descontrolado, compulsivo”, reconhece o ator Marco Fugga.

Aluno de Luiz Paixão, com quem diz ter aprendido a ler politicamente cada personagem e atribuir-lhe referências históricas além do imediato apresentado no texto, o ator também ressalta questão racial, apontada na trama, já que Amaro é negro, descendente de escravos, e Aleixo é um delicado garoto branco, com feições singelas, tratado como um bibelô inclusive pelos superiores. Para ele, Bom crioulo toca em questão crucial, sem meandros. “O preconceito não acabou. Tanto os negros quanto os gays passam por muitas situações desnecessárias. De modo geral, a classe artística mineira é muito agressiva com o homossexual. Um sintoma disso é o tipo de produção em cartaz”, critica. E complementa: “Sou negro, conheço a história dos nossos antepassados e o mínimo que posso fazer é não admitir a discriminação e respeitar o próximo”, argumenta.

Em Bom crioulo, Marco Fugga contracena com Pedro Cabizuca, em cenas de trocas afetivas ousadas, com nu frontal e simulação de ato sexual diante da plateia. Para ele, a maior preocupação era que o resultado não chegasse de forma vulgar ao público. “Passamos muito tempo buscando soluções, estudando, porque nunca tínhamos feito trabalhos dessa natureza. Mas Amaro é um personagem muito intenso, que acaba deixando o ator à vontade. Deixei-me guiar por ele.”

Retrato

Intérprete do travesti Jennifer Quety no espetáculo Ela é o cara, o ator Bruno Emanuel defende a comédia e argumenta que o espetáculo é uma maneira de levar ao público cultura diferente, com características próprias, muito pouco difundida em outros meios. “Ela sonha com o sucesso e enfrenta muitos problemas até conquistar o que queria. É divertido ver como ela lida com essas questões”, diz o intérprete, que frequentou festas e boates para compor sua personagem. Para Emanuel, Jennifer é ao mesmo tempo retrato e caricatura e não há mal algum em estimular o humor. “Tenho muitos amigos do meio que adoraram o tratamento que demos ao tema e que ofereceram contribuições importantes para a composição de Jennifer”, observa.

O QUE VER


ACREDITE, UM ESPÍRITO BAIXOU EM MIM

Minascentro (Topázio). Quinta e sexta, 21h; sábado e domingo, 18h e 21h.

ALFREDO VIROU A MÃO

Imaculada. Quinta, 21h; sexta e sábado, 19h e 21h; domingo, 19h.

ASSENTA QUE LÁ VEM BARRACO

Pátio Savassi. Quinta a sábado, 20h30; domingo, 19h.

BOM CRIOULO

João Ceschiatti. Quinta a sábado, 19h30; domingo, 21h.

AS BARBEIRAS

Pio XII. Quinta a domingo, 19h e 21h.

CREUZA, TRAZ A NEUZA

Clube dos Oficiais. Quinta a sábado, 21h; domingo, 19h.

O DIA DO BABADO

Minascentro. Segunda a quarta, 20h.

DOIS DE PAUS

Sesi Holcim. Segunda a quarta, 19h.

ELA É O CARA

AMI. Quinta a sábado, 21h; domingo, 19h.

MEU TIO É... TIA!

Sag. Coração de Jesus.
Quinta a domingo, 19h e 21h.

MORRA DE RIR SEM FAZER XIXI

Kleber Junqueira. Quinta a sábado, 21h. Domingo, 19h.

O NOME DELA É VALDEMAR
Teatro do Icbeu. Segunda e terça, 21h; quarta a sexta, 19h.

fonte: UAI

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...