Félix, o vilão vivido por Mateus Solano em "Amor à Vida", não é um sucesso absoluto. Alguns comentaristas já apontaram as inconsistências do personagem: não faz muito sentido ele roubar o próprio pai, de quem é herdeiro, ou jogar o sobrinho recém-nascido numa lata de lixo.
Nem o trabalho do ator está passando incólume. Solano estaria exagerando nos trejeitos e se aproximando perigosamente da caricatura.
O malvado também prestaria um desserviço à causa LGBT. Por ser fútil, cruel e inescrupuloso, acabaria reforçando o preconceito que ainda existe contra os homossexuais. Como se no mundo só existissem bichas boazinhas.
O fato é que Félix já é, de longe, o mais importante personagem gay da teledramaturgia brasileira. Ele desempenha um papel central na trama de Walcyr Carrasco, e tem uma complexidade que seus antecessores jamais tiveram.
Desde os anos 60 que os gays são figuras frequentes na nossa TV (as lésbicas, bem menos). Mas, durante muito tempo, foram relegados a mordomos afetados nas novelas ou a tipos meio grotescos nos programas de humor.
O primeiro personagem a fugir do estereótipo foi Inácio Newman, interpretado por Dênis Carvalho em "Brilhante", de Glberto Braga, em 1981. Um rapaz rico que tinha sua homossexualidade reprimida pela família, mas que terminava feliz ao lado de um namorado. Só que essa história foi contada tão sutilmente, com tanta discrição e pudor, que um telespectador mais distraído nem teria percebido do que se tratava.
Inácio acabou sendo o paradigma da forma como gays e lésbicas foram retratados nas novelas durante quase três décadas: presenças marginais, pouco importantes para a trama principal. Muitos tiveram suas histórias abafadas, para não assustar o público conservador.
Foi o que aconteceu com Cecília e Laís, o casal de moças de "Vale Tudo". Ou com Sandrinho e Jefferson, de "A Próxima Vítima", que ainda carregavam o estigma de serem de raças diferentes. Destino pior tiveram Leila e Rafaela, de "Torre de Babel" que foram rejeitadas pela audiência, morreram na explosão de um shopping.
Nos últimos anos surgiu a polêmica do beijo gay. Diversas vezes prometido, ele jamais deu as caras numa novela da Globo: o caso mais famoso foi no final de "América", em que a cena chegou a ser gravada, só para ser cortada antes de ir para o ar.
Mas, de uns tempos para cá, assim como na vida real, os homossexuais passaram a ter maior visibilidade na TV. E também maior diversidade: do chamativo Clô de "Fina Estampa" aos discretos namorados Hugo e Eduardo de "Insensato Coração", passando pela inesquecível escrivã Jô feita por Thammy Miranda em "Salve Jorge".
Temas como a violência homofóbica, a saída do armário e a aprovação da sociedade foram tratados com sensibilidade, e bem aceitos pela maioria do público. Mas ainda falta o contato físico e neste ponto, o Brasil está atrás de países como Estados Unidos ou Argentina, onde o tema deixou de ser tabu.
Agora temos nosso primeiro grande vilão homossexual, que refreia seus impulsos para ganhar o amor do pai. Numa época em que a absurda "cura gay" é discutida a sério no Congresso, não deixa de ser bom que um personagem apareça sofrendo as consequências da repressão no programa de maior audiência do país.
Félix é um avanço na representação dos gays na TV brasileira. Mas claro que ainda há um longo caminho a ser percorrido. Quando teremos, por exemplo, um protagonista gay? Talvez Giovanna Antonelli, que fará uma lésbica na sucessora de "Amor à Vida", a ser escrita por Manoel Carlos?
Tomara. E com direito a muitos beijos.
fonte: F5
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