A pesquisa feita pelo Datafolha sobre a eleição do papa Francisco consolida a impressão de que há uma grande diferença entre o que a igreja prega e o que os católicos brasileiros pensam ou praticam --com algumas nuances importantes.
Em primeiro lugar, chama a atenção o fato de que, em temas polêmicos, ligados à moral sexual ou aos pilares do funcionamento da igreja, os católicos do Brasil são, com frequência, mais "liberais" que os membros de todas as demais igrejas cristãs.
É no mínimo curioso, por exemplo, que num país onde já há "bispas" e "pastoras" com status de celebridade, mais católicos defendam que uma mulher pode celebrar a missa (64% deles) do que evangélicos pentecostais (56%) e entre os não pentecostais (58%).
O contingente católico da população também é o grupo mais aberto, entre os membros das igrejas cristãs, à possibilidade de uniões homossexuais (41%).
Esse número só não é maior do que o registrado entre espíritas (64%) e adeptos da umbanda (53%), os únicos grupos religiosos do país que têm uma maioria favorável a esse tipo de união, de acordo com o levantamento do Datafolha.
E os resultados são parecidos quando se pergunta o posicionamento sobre a legalização do aborto.
A questão, claro, é como explicar o abismo entre o Magistério (o ensinamento oficial da igreja) e a prática, coisa que pesquisas de opinião de larga escala não foram projetadas para fazer.
Um primeiro aspecto importante provavelmente é o simples gigantismo e peso histórico da Igreja Católica no Brasil. O "catolicismo cultural", o hábito de batizar os filhos e ir à igreja apenas para casamentos e funerais, ainda é uma força considerável, embora esse tipo de católico esteja virando evangélico ou "sem religião" com frequência cada vez maior.
Peso e tesouro
Há ainda a influência duradoura do Concílio Vaticano 2º (1962-1965), encontro de todos os bispos do planeta que redefiniu a relação da igreja com o mundo moderno.
Muitos sacerdotes e fiéis ainda interpretam as afirmações do concílio sobre a primazia da consciência de cada pessoa como uma abertura para tomar suas próprias decisões sobre temas que não afetariam o cerne da fé.
(Por outro lado, o concílio também condenou o aborto como "crime abominável", e só 41% dos católicos do país aceitam abrir brechas para o procedimento.)
Outro detalhe interessante é a diferença entre o que os fiéis acham correto e o que o papa deveria fazer a respeito.
Nem todo mundo que é a favor da camisinha ou da pílula anticoncepcional acha que o papa deveria sair em defesa delas, por exemplo.
E, apesar da associação entre celibato clerical e casos de abuso sexual envolvendo padres, metade dos católicos (52%) ainda prefere um clero celibatário. A tradição católica estaria, então, mais para um fardo ou para um tesouro? Para muita gente, talvez seja as duas coisas.
fonte: Folha
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