Jovem baleado durante marcha. Grupo agredido com lâmpadas em plena luz do dia. Texto em site de universidade que minimiza o preconceito contra homossexuais. Perfil no Twitter que, da noite para o dia, atrai mais de 15 mil "advogados da homofobia". Para líderes do movimento gay ouvidos pelo UOL Notícias, esses acontecimentos em menos de um mês refletem um debate conservador durante as eleições presidenciais deste ano.
No segundo turno, os então candidatos Dilma Rousseff (PT) e José Serra (PSDB) travaram uma dura batalha pelo apoio de religiosos, supostamente por parte deles ter dado quase 20 milhões de votos à evangélica e ambientalista Marina Silva (PV) no primeiro turno. Religiosos cristãos conquistaram, então, um importante pedaço da agenda dos presidenciáveis, ávidos por parecerem confiáveis a eles.
Isso, dizem líderes do movimento de LGBT (Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis, Transsexuais e Transgêneros), deu impulso a pastores, padres e bispos que defendem abertamente a prática da homofobia e condenam a homossexualidade. A partir daí, afirmam, outras pessoas se sentiram confortáveis para manifestar preconceitos, como os que geraram os incidentes dos últimos dias.
“Desconectar essa violência recente do clima eleitoral é não enxergar o óbvio”, afirma o deputado eleito Jean Wyllys (PSOL-RJ), assumidamente homossexual. “A situação é complexa, os dois lados erraram. Mas foi a campanha de Serra que tomou a dianteira, porque leu equivocadamente o apoio a Marina. Quando um candidato importante usa na TV pastores que defendem a homofobia, a tensão se reforça.”
Ex-católico, Wyllys afirma que sempre houve homofobia no Brasil, mas avalia que o debate presidencial abriu espaço, principalmente na internet, para manifestações preconceituosas e que contribuem para ações violentas. “Fiz toda minha campanha em rede sociais e ameaças houve do começo ao fim. No segundo turno, mesmo quando já tinha vencido, os ataques ficaram mais agressivos. Existe outra razão? Não.”
Para Toni Reis, presidente da ABGLT (Associação Brasileira de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais), a importância que os então presidenciáveis deram a temas religiosos “incentivou homofóbicos a saírem do armário”. Ele diz que a repercussão dos casos das últimas semanas levou a entidade a considerar ações judiciais para evitar campanhas de homofobia no país.
Liberdades
“Não foi só isso, somos perseguidos há séculos. Mas as eleições deram holofotes a quem diz que homofobia é questão de liberdade de expressão. Não é. O que eles fazem é incentivar o ódio”, afirma Reis. “Temos que mediar esse debate, ir para o campo da racionalidade. A política teria esse papel, ainda mais nas eleições. Mas nem Dilma nem Serra falaram contra isso como deviam. Foi como se nós não existíssemos.”
Presidente do GGB (Grupo Gay da Bahia), um dos mais atuantes no país, Marcelo Cerqueira afirma que não há um movimento articulado contra os homossexuais no país, mas diz se preocupar com a adesão de jovens a mensagens preconceituosas nas últimas semanas. “Existe uma herança cultural e religiosa que sempre nos considerou um problema. Mas o clima acirrado da campanha realmente não ajudou”, afirma.
Ele também acredita que as reações violentas das últimas semanas tenham ligação com o clima de liberdade para os homossexuais no Brasil, que, por sua vez, gera uma “reação conservadora, sem entidades, mas de pessoa para pessoa”. “E isso ganha destaque maior quando um candidato a presidente conhecido como o Serra coloca na TV para pedir votos um homem conhecido por defender a homofobia”, diz.
Esse homem, citado por todas as lideranças gays, é o pastor Silas Malafaia, da igreja neopentecostal Assembleia de Deus - Vitória em Cristo. O religioso começou a campanha presidencial pregando voto em Marina, mas na reta final do primeiro turno aderiu ao tucano. Participou de programas do ex-governador paulista na televisão e seus vídeos com críticas a homossexuais ganharam mais visibilidade na internet.
Episódios homofóbicos
No domingo (14) de manhã, um grupo formado por quatro menores e um jovem de 19 anos, todos de classe alta, agrediu com socos, chutes, pauladas e lâmpadas fluorescentes três pedestres que caminhavam na avenida Paulista. Agressão foi motivada pelo fato de as vítimas serem ou estarem acompanhadas de homossexuais.
Também no domingo, um estudante de 19 anos foi agredido verbalmente e baleado por um militar do Forte de Copacabana, no Rio de Janeiro. Os sargentos Ivanildo Ulisses Gervásio e Jonathan Fernandes foram presos pelo Exército. A agressão ocorreu logo após o fim da Parada Gay carioca.
Na quinta-feira (18), foi ativado no Twitter o perfil @HomofobiaSIM, que defende abertamente a discriminação e a violência a homossexuais e mulheres. Em apenas um dia, o perfil, que diz existir "pela moral e família", angariou mais de 15 mil seguidores.
Outro episódio que indignou associações LGBT foi a recente publicação, na página daU niversidade Presbiteriana Mackenzie–uma das mais tradicionais de São Paulo–, de um texto assinado pelo chanceler Augustus Nicodemus Gomes Lopes. No manifesto, a instituição diz que é contra a aprovação da lei que pune a homofobia "por entender que ensinar e pregar contra a prática do homossexualismo não é homofobia".
Segundo os últimos dados do Relatório Anual de Assassinatos de Homossexuais (LGBT), publicado pelo GGB e divulgado em março deste ano, foram registradas 387 mortes em todo o território brasileiro em 2009 e 2008 –média aproximada de um crime a cada dois dias –, um crescimento de aproximadamente 54% em relação ao biênio 2006-2007.
A cantora e ativista Vange Leonel, que participou de um ato em São Paulo na última sexta-feira (19), afirmou que as “agressões a homossexuais sempre aconteceram” e o que mudou é que há mais “visibilidade” aos casos de homofobia. “À medida que nos expomos mais nas ruas, a reação a isso aumenta também.”
fonte: UOL
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