Faz tempo que a fabricante de lingerie Duloren passou a usar a estratégia de impactar a opinião pública como instrumento de marketing. Em 1998, a marca defendeu a legalização do aborto, irritando, por razões óbvias, a Igreja Católica, outra vez provocada, anos mais tarde, numa propaganda que criticava a pedofilia e tinha o Vaticano como imagem de fundo.
Para o mês que vem, por exemplo, a fabricante de roupas íntimas femininas pretende lançar campanha com apelo lésbico, numa referência à aprovação da união estável de casais do mesmo sexo pelo Supremo Tribunal Federal - em junho, havia adotado o mesmo recurso no comercial "Feliz dia das namoradas". Mas o anúncio que está causando mais barulho no momento é um que, por ora, existe apenas no plano das ideias.
A notícia de que a Duloren convidou o polêmico deputado federal Jair Bolsonaro (PP-RJ) para ser garoto-propaganda movimentou a web e detonou a revolta de alguns internautas, que ameaçaram boicotar a marca. Hashtags chegaram a ser criadas no Twitter em sinal de protesto.
Inicialmente, a proposta previa também a participação no comercial - exclusivo para mídia impressa - da transexual Ariadna, integrante da última edição do Big Brother Brasil, mas foi recusada pelo parlamentar. Em entrevista a Terra Magazine, ele conta como foi procurado pela marca.
- A Duloren entrou em contato comigo. Eles sempre fazem uma propaganda bastante ousada. Conversaram por telefone. Quem sou eu para vender qualquer coisa, né?! Eles apresentaram como seria a propaganda. Seria uma foto...eu do lado da Ariadna. É Ariadna o nome? Eu, de paletó e gravata, rindo e dizendo: "Esse kit eu aprovo" (uma alusão ao kit anti-homofobia do Ministério da Educação, chamado de "kit gay" por Bolsonaro e parlamentares da bancada religiosa). Eles chegaram com uma frase diferente. Eu apresentei esta - afirma.
O deputado acrescenta que teria feito uma contraprosta à empresa.
- Eu falei o seguinte: "Muito obrigado pela oportunidade, mas não posso aceitar". Se fosse uma mulher, uma modelo, não teria problema nenhum. Essa minha questão do "kit gay" (sic) é séria. Tanto que tivemos uma vitória no primeiro momento que a Dilma (Rousseff) mandou recolher o kit. Não teria lógica a Duloren fazer uma campanha comigo e com a Ariadna para vender para mulher. Você, mulher, vai falar: "Não vou comprar esse kit aí porque não é para heterossexual" - justifica o deputado, para depois completar o raciocíno, prevendo umas palmadas:
- Inclusive, eu não ficaria bem ao lado dessa pessoa (Ariadna). Lógico, já tive debate com ela na televisão, sem problema. Sei do risco que estou correndo. Vou apanhar até não querer mais. A Duloren vai apanhar também.
Para o parlamentar, que garante não pensar no cachê, a atuação como garoto-propaganda vai ajudar a divulgar suas críticas ao que chama de "kit gay 2".
- Eu não vou ganhar nada com isso. Se tiver cachê, a gente vai doar para uma instituição qualquer. Nem me interessa saber quanto vai ser. Nem sei se é proibido ou não fazer esse tipo de propaganda remunerada pelo regimento da Câmara, mas eu posso fazer propaganda. Lógico que vou levar porrada de um monte de gente. Homossexual vai criticar a Duloren, mas acredito que vai me ajudar a divulgar o "kit gay 2", que eles chamam de Programa Nacional de Direitos Humanos LGBT (Lésbicas, Gays, Bissexuais, Transexuais).
Liberdade de expressão
Incisivo, assim como as propagandas da marca, o presidente da Duloren, Roni Argalji, confirma a proposta a Bolsonaro e diz que o layout do comercial (uma prévia da peça) já está nas mãos do deputado. Confirma também que a participação de Ariadna estava nos planos iniciais.
- Bolsonaro está vendo com a assessoria dele. Na semana que vem, vai ser aprovado ou não. Ariadna chegou ser a cogitada, sim, mas o Bolsonaro recusou pela bandeira dele.
Argalji nega que a intenção de chamar o deputado seja meramente polemizar e justifica a escolha, apregoando o direito à liberdade de expressão.
- O que é polêmica? Polêmica é: tem gente que concorda e tem gente que não concorda. As pessoas têm que ser respeitadas. Ele (Bolsonaro) tem uma opinião, um ponto de vista e tem que ser respeitado. Não é só ele que pensa desta maneira. Tem muita gente que o segue, tanto que é deputado, foi eleito.
Sobre a ideia inicial de unir duas figuras antagônicas - a transexual e um deputado com fama de homofóbico -, explica que o objetivo era mostrar situações controversas. "Pessoas que concordam e pessoas que não concordam".
- Você lembra da questão do aborto quando estava para ser votada? A mulher era estuprada e engravidava. A Duloren se posicionou. Ela é a favor do aborto. Lógico que é! A mulher foi estuprada, engravidou em função do estupro, tem que abortar. E a demagogia não... A igreja... Sou totalmente a favor. É um direito da pessoa. Não é um filho desejado. Não é nem filho. Enfim, foi uma relação indesejada - diz, mencionando a propaganda da marca que tratava do tema.
E recorre a outro comercial da Duloren - o da freira usando espartilho - para continuar a argumentação:
- Na época da freira... Ela é mulher. Se ela levantar a batina (N.R.: na verdade, hábito), tem calcinha e sutiã embaixo dela, né?! É um direito de cada um achar o que acha e pensar o que quer. A Duloren se posiciona em relação aos assuntos. Esta é a questão. Aí, as pessoas acham que somos polêmicos. Com relação ao Bolsonaro e ao problema da homofobia, a Duloren colocou uma situação que tem que ser respeitada. Se a pessoa é contra ele e a favor de não sei o quê e vice-versa. A mensagem é uma coisa só: o pensamento e o que as pessoas acham têm que ser respeitados. Cada macaco no seu galho. Só isso.
Quanto à tentativa de boicote à empresa, que chegou a ser aventada por internautas, reage com irritação:
-
Isso é iniciativa de gente que não tem opinião. Só porque eu, Roni, sou a favor ou sou contra ou não tenho opinião a favor ou contra vão me boicotar? Isso é coisa de gente com QI de ameba, gente burra, gente ignorante que não tem o que fazer. Uma pessoa, que tem sua opinião e sabe que o outro tem direito a seu pensamento, não vai entrar numa idiotice, numa infantilidade dessa.
Sem "kit"
Para decepção de Bolsonaro, o presidente da Duloren assegura que o comercial não pretende fazer alusão - ainda que indiretamente - à polêmica envolvendo o kit anti-homofobia do MEC.
- Não quero entrar nessa discussão lá no Congresso. O que vai ter é o seguinte: "Deputado, você não imagina do que uma Duloren é capaz". Ponto final e acabou. Ele com a posição dele e a mulher (modelo da propaganda) com a posição dela. A foto vai revelar uma situação e cada um vai tirar suas conclusões.
Argalji afirma não temer possíveis danos à imagem da marca por associá-la a Jair Bolsonaro, conhecido pela intolerância e por posições declaradamente contrárias aos homossexuais.
- A imagem da Duloren é de uma mulher que não é "maria-vai-com-as-outras". Ela não é um carneirinho que segue o carneirinho. É uma mulher casada, solteira, desquitada, jovem, velha. É uma mulher que tem personalidade, caráter. Ela sabe o que quer. Ela conquista o homem. Não é conquistada. Ela escolhe seu parceiro. Não é escolhida - destaca, citando, mais uma vez, outro comercial da empresa:
- Tem um anúncio nosso de duas mulheres se beijando. Não tem nada a ver. A Duloren não tem nada nem a favor nem contra. Desde que não me atrapalhe, minha filha, fique à vontade.
fonte: Terra Magazine