As eliminatórias do concurso de quadrilhas juninas adultas da prefeitura do Recife foram marcadas pela quebra de dois tabus. No início da noite de sábado (22), o público do espaço cultural Nascedouro, no bairro de Peixinhos, assistiu à quadrilha Terror do Alto exibir uma “noiva” travesti na sua apresentação. Horas depois, na quadra do Sítio Trindade, a Tradição Junina levou os fãs ao delírio com o primeiro beijo gay da história do concurso.
Os 80 integrantes da Terror do Alto, da cidade de Moreno, no Grande Recife, ensaiaram durante quatro meses o tema “Para colorir e purificar” – uma homenagem às bandeirinha coloridas do São João que remete, também, ao universo de lésbicas, gays, bissexuais, travestis, transexuais e transgêneros (LGBT). O enredo traz uma noiva que revela dois segredos a seu amado: pediu um marido a Xangô (e não a São João, como manda a tradição) e, na verdade, é um travesti.
Estrela maior da apresentação no papel da noiva, Stephanie, codinome artístico do cabeleireiro Paulo Vítor, 22 anos, afirmou ao Terra que a inovação foi recebida com tranquilidade pelos integrantes da comunidade. “No meu caso”, contou, “como me assumi aos 13 anos, não tive problemas com a família. Na cidade foi estranho no começo, mas depois todo mundo se acostumou”. Seu noivo no enredo, o auxiliar de produção Hugo Eduardo, 33 anos, também não se espantou com a ausência de polêmica: “Oitenta por cento dos integrantes do sexo masculino da cadeia produtiva do São João são gays”, afirmou.
O envolvimento dos gays com o universo das quadrilhas juninas se intensificou a partir do início dos anos 90. A modernização dos concursos aperfeiçoou as apresentações, incorporando maquiadores, coreógrafos e outros profissionais, e derrubando restrições como a que proibia aos homens interpretar papéis femininos. Para a gerente de Preservação do Patrimônio Imaterial da Prefeitura do Recife, Zélia Sales, “essa é uma maneira dos homossexuais se inserirem em suas comunidades com dignidade, de serem reconhecidos por seu talento”.
O beijo gay do enredo da Tradição Junina é um marco nessa bem-sucedida história de tolerância. No enredo “O Bilhete Premiado”, o jovem Severino “Boca Virgem”, personagem do ator Rodrigo Motta, 21 anos, é filho de um coronel poderoso e de uma beata do interior nordestino. A mãe, preocupada com os rumores sobre sua sexualidade, manobra para ele ganhar um bilhete premiado na Barraca do Beijo. É lá que ele vai experimentar vários tipos de beijos e se apaixonar justamente pelo que recebeu de um homem, o vendedor de flores desempenhado pelo ator Augusto Neves, 25 anos. Os dois se casam no final da apresentação, indiferentes aos protestos dos pais de Severino.
Ellon Santana, 33 anos, um dos diretores artísticos da Tradição, nega qualquer intenção polêmica na cena do beijo. “É um trecho obrigatório no regulamento. Nós até pensamos em fazer com um casal heterossexual, mas, depois, pensamos: por que não com dois gays? É um tema que está na mídia, que é importante discutir e funciona como um reconhecimento do papel dos homossexuais no fortalecimento das quadrilhas”. Se a Tradição se classificar, o beijo será repetido em 28 de junho na finalíssima marcada para o bairro da Várzea.
fonte: Terra
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