Hernández virou símbolo nacional dos ativistas cubanos promovendo maiores direitos para lésbicas, gays, bissexuais e transexuais
José Agustín Hernández pode não ser exatamente o tipo de Homem Novo que, segundo Che Guevara, daria forma ao socialismo cubano.
Hernández, 48 anos, que se identifica como mulher e atende pelo nome de Adela, está mais propenso a colocar um funcionário público preguiçoso no seu devido lugar do que cortar cana-de-açúcar com facão. E é mais provável pegá-la levando água para casa num salto plataforma do que batendo perna pelas ruas de uniforme e coturno.
Assim, Hernández ficou mais do que satisfeita quando se tornou a primeira transgênero a ser eleita para um cargo público em Cuba, país cujo governo antes via a homossexualidade como uma aberração perigosa e, na década de 1960, despachava homens gays para campos de trabalho.
"É uma conquista enorme", disse Hernández, referindo-se à sua eleição em novembro para a câmara municipal desta cidade costeira onde representa os cerca de dois mil habitantes de seu bairro carente. Ela levantou as sobrancelhas pintadas e falou: "É inédito um país tão homofóbico mudar de forma tão drástica".
Por mais modestos que sejam os novos poderes oficiais de Hernández, sua subida ao primeiro degrau da hierarquia política cubana é uma amostra de como as atitudes evoluíram por aqui, principalmente na década passada, conforme a liderança foi se afastando paulatinamente dos velhos preconceitos, a internet criava novas ligações entre lésbicas, gays, bissexuais e transgêneros; e a filha de Raúl Castro, Mariela Castro Espín, defendia sua causa.
"Os tempos mudaram", afirmou Alberto Hernández, 53 anos, agricultor que mora perto de José Augustín Hernández, mas não é seu parente. Ele votou nela porque a candidata é inflexível e trabalha duro. "A sexualidade é assunto dela", acrescentou o vizinho.
Nem todos concordam com essa visão. Luisa Cardenas Del Sol, 72 anos, professora aposentada de enfermagem que não vive no distrito eleitoral de Hernández, afirmou que não teria votado nela.
— Respeito sua vida pessoal, mas ela nos representar no governo municipal? Não.
Mesmo tendo crescido em meio ao conservadorismo rural e à discriminação de uma cidade açucareira do centro de Cuba, José Hernández disse que teve interesse precoce por roupas femininas e que seu primeiro contato sexual foi com um homem de 21 anos, quando ele tinha sete — um encontro que agora ela lamenta como sendo "muito novo", mas nega ter sido estupro.
Segundo conta, ela costumava apanhar do pai, trabalhador de uma destilaria, que a entregou à polícia aos 16 anos — na vã esperança de que a cadeia pudesse mudar sua expressão de gênero. Hernández passou dois anos presa acusada de "periculosidade social" e depois começou vida nova em Caibarién, onde morou como mulher.
"Ela caiu feito uma bomba nesta cidade de pescadores cheia de machos", disse Pedro Manuel González, escritor local. "Foi um senhor escândalo."
Entretanto, a sinceridade e a coragem de Hernández conquistaram os vizinhos, contaram González e outros moradores. Ela foi trabalhar lavando o chão do hospital e, mais tarde, estudou enfermagem. Comunista confessa, ela chegou a se tornar chefe do Comitê para a Defesa da Revolução de sua quadra — a associação que, entre outras coisas, policia a lealdade política dos moradores.
Hoje em dia, Hernández concilia o trabalho como técnica de eletrocardiograma e suas aparições ocasionais num cabaré como drag queen com as necessidades de seu bairro com casas de blocos de concreto e esgoto a céu aberto. Até agora, ela convenceu as autoridades a instalar água corrente na clínica local, que recorreu a baldes durante seis anos; garantiu iluminação pública para a rua principal; e conseguiu que a loja de ração encomendasse leite extra para as crianças.
Embora fossem preocupações locais, Hernández logo virou símbolo nacional dos ativistas cubanos promovendo maiores direitos para lésbicas, gays, bissexuais e transexuais.
Castro, diretora do Centro Nacional para a Educação Sexual, enviou um representante em novembro para ver Hernández e lhe informar sobre a cirurgia de mudança de sexo, a qual, desde 2008, é oferecida gratuitamente pelo sistema de saúde pública de Cuba. Hernández, que desenvolveu seios graças a hormônios femininos, está cogitando a operação; até sua realização, ela é considerada legalmente homem.
"Sua eleição prova que os cubanos podem vencer preconceitos quando se trata de eleger alguém", Castro afirmou durante entrevista. Castro, que foi eleita para a Assembleia Nacional em fevereiro — num processo visto pelos críticos como artificial porque apenas um candidato aparece na cédula para cada vaga — está defendendo a legalização das uniões entre pessoas do mesmo sexo.
Para muitos, o ativismo de Castro merece o crédito pela suavização da postura oficial em relação a gays e lésbicas. Entrevistado pelo jornal mexicano La Jornada, em agosto de 2010, Fidel Castro assumiu a responsabilidade pelo que qualificou de "grande injustiça" cometida contra os homossexuais. Os cubanos continuam desbragadamente machões e "bicha" é uma ofensa usada com liberalidade, mas os LGBT agora detêm empregos públicos e se reúnem abertamente em boates ou na praia.
Tal abertura foi testada recentemente por uma exposição altamente explícita de arte homoerótica numa galeria estatal no centro de Havana. Mais de mil pessoas compareceram à abertura em janeiro para ver uma instalação do artista havanês Humberto Díaz, envolvendo duas mulheres cobertas com filme plástico fazendo sexo oral no chão da galeria.
"Isso seria impossível dez anos atrás", disse Piter Ortega, curador da exibição. "O contexto social não estava amadurecido."
Não que a exposição tenha escapado à atenção das autoridades: Ortega afirmou que representantes da segurança estatal e do Partido Comunista visitaram a galeria e exigiram um relatório sobre a fotografia de um homem negro e outro branco agarrando-se num beijo escondido por um boné com a insígnia da Polícia Nacional Cubana.
Francisco Rodríguez Cruz, famoso blogueiro gay, disse que a internet fez avançar os direitos gays ao conectar homossexuais de toda a ilha, criando um fórum de debate. A maioria dos cubanos não tem acesso à internet, mas muitos baixam reportagens e as compartilham em pen drives.
Porém, os direitos devem ser sagrados pela lei cubana, afirmou Rodríguez. "Não basta apenas você me tolerar", apontando para o fato de que casais do mesmo sexo não foram reconhecidos num censo recente. "Segundo a lei, você deveria ter de me respeitar."
Para alguns, os direitos gays avançaram bastante, embora pouco tenha mudado em áreas como liberdade de expressão, ativismo político e democracia.
"Esta exposição é uma forma de dissidência, dissidência gay", garantiu Ortega, o curador. "Porém, caso fosse dissidência política, nunca teria acontecido."
Isso não quer dizer que Hernández não tenha enfrentado resistência. Poucos dias depois de sua eleição, ela ouviu um vizinho reclamando de haver um homossexual no governo.
"Entrei direto na casa dele e perguntei: 'Você prefere uma bicha ou um ladrão?'", ela questionou, referindo-se à reputação de corrupto do predecessor.
Seu tempo é gasto pelos problemas do bairro, onde as casas não têm água corrente e ocorrem inundações com frequência durante tempestades.
Hernández não foi escolhida em meio às listas de vereadores para a Assembleia Nacional, em fevereiro, assim sua vida política, durante os próximos anos, ficará restrita a Caibarién.
Segundo a vereadora, no entanto, sua presença na câmara — e na imprensa nacional e internacional — vai abrir caminho para outros LGBT terem um papel mais proeminente na vida pública.
"Eu abri a porta", declarou Hernández, em pé diante da casa de madeira de um só cômodo, sem banheiro nem telefone, onde ela mora com o parceiro de 21 anos, Uvaíl Rodríguez.
— Atrás de mim, agora existe um espaço pelo qual as outras pessoas podem caminhar.
fonte: R7
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