Estado tenta virar destino de casais gays: "É um público extremamente sofisticado e com alto poder de compra", diz governo
Minas Gerais se prepara para entrar na rota de férias de lésbicas, gays, bissexuais e travestis. A iniciativa parte do próprio governo mineiro que, no começo de julho, apresentou formalmente um roteiro voltado para este público durante o Salão de Turismo realizado em São Paulo.
“Existe a intenção do governo, e isso vem sendo trabalhado, de fomentar o turismo nessa área. É um público que deixa um benefício econômico e que merece ser bem atendido”, diz a secretária-adjunta de Turismo do Estado de Minas Gerais, Silvana Nascimento. No Brasil, estima-se que gays, lésbicas, bissexuais e transexuais movimentem, por ano, cerca de R$ 32 bilhões.
O roteiro de cinco dias é voltado para casais, tendo preço de R$ 1.190 por pessoa. No primeiro dia, é oferecido um jantar de confraternização em Belo Horizonte e, no segundo, o casal parte rumo a Ouro Preto e Mariana, tradicionais cidades históricas. No terceiro dia, o roteiro inclui Congonhas, São João del Rey e Tiradentes. O quarto dia é destinado apenas à cidade de Tiradentes, famosa pela gastronomia. No quinto dia é hora do retorno. Este é um dos diferenciais que Minas pretende oferecer. Se no Rio e em São Paulo as pessoas vão para encontrar o amor, em Minas elas vão para curtir a vida em família.
Casais
De acordo com dados do último censo, Minas é o terceiro Estado com maior número de casais homossexuais. São 4.098, enquanto há 10.170 no Rio de Janeiro e 16.872 em São Paulo. O Estado também fica em terceiro lugar no ranking de eventos voltados para este público. De acordo com informações divulgadas pela Associação Brasileira de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais, em 2011 Minas promove 18 eventos do gênero, contra 20 em São Paulo e 30 no Rio de Janeiro. Neste domingo (24), por exemplo, acontece a 14ª Parada do Orgulho LGBT em Belo Horizonte.
Os números chamaram a atenção do governo mineiro, que realiza um levantamento de cidades potenciais para receber as pessoas. A secretária-adjunta conta que o público homossexual se encaixa nos roteiros oferecidos em Minas, com enfoque para a cultura e a gastronomia.
“Estamos fazendo um levantamento dos lugares visitados por este público para capacitar hotéis, restaurantes. Hoje só temos uma empresa de turismo trabalhando com eles e elas em Minas. Não adianta apresentarmos novos roteiros sem termos pessoas capacitadas. É preciso qualidade e hospitalidade no atendimento”, diz Silvana, emendando que o público LGBT “é um público extremamente sofisticado e com alto poder de compra”. Os potenciais destinos, conta ela, incluem roteiros românticos, de gastronomia e roteiros culturais. No ano que vem, o governo decidirá se lança um programa voltado especialmente para o turismo LGBT ou se apenas entrará com apoio na divulgação e no treinamento de pessoas, por meio de parcerias.
Silvana diz ainda acreditar que o turismo LGBT aumente com a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) de reconhecer a união homoafetiva - mais pessoas podem se sentir encorajadas a viajar em família, com a decisão da Justiça. Questionada sobre eventuais reações em Minas, ela diz: “Essa questão está superada. Estamos trabalhando as diversidades e isso é um ponto extremamente importante para o turismo.”
Resistências
Não é o que pensa o presidente do PSDB de Belo Horizonte, deputado estadual João Leite. Correligionário do governador Antonio Anastasia, Leite demonstrou surpresa ao ser informado pela reportagem sobre os projetos do governo em incentivar o turismo LGBT. “Isso não me foi informado e também a nenhum líder na Assembleia. Quero saber do que se trata para depois comentar, mas minha posição é clara sobre este assunto”, disse ao iG.
Evangélico, o deputado tucano já se manifestou em plenário contra os homossexuais, em discurso polêmico no dia 30 de março. "Quero criar meu filho para se casar com uma mulher; quero criar minhas filhas para se casarem com um homem. É meu direito, direito fundamental, está na Declaração Universal dos Direitos Humanos, está na nossa Constituição. Também é nosso direito ter a nossa fé, que tem um livro, a Bíblia, que combate o homossexualismo. Rasgamos a Bíblia? Rasgamos a nossa fé?", disse na ocasião.
O governador Anastasia foi procurado para comentar o assunto, por meio de sua assessoria, mas não se pronunciou.
Cidade histórica faz sua 4ª parada gay
Mesmo sem apoio público, as tradicionais cidades históricas já estão no roteiro. Em São João del Rey, por exemplo, o tradicionalismo religioso se mistura à celebração da diversidade. Coordenador do Movimento LGBT da cidade, Carlos Bem conta que, em outubro, acontecerá a 4ª Parada Gay do município. “Temos um estudo que mostra o potencial de impacto econômico da parada na cidade. Chega a R$ 1 milhão. Minas Gerais ainda está omissa em relação ao turismo LGBT. Estamos atrasados. Há um certo conservadorismo da gestão pública”, lamenta ele.
O presidente da Associação Brasileira de Turismo para Gays, Lésbicas e Simpatizantes (Abrat-GLS), Almir Nascimento, comemora o avanço de Minas ao se qualificar para entrar no segmento. “São Paulo já se prepara há quatro anos. Temos treinamento no Rio de Janeiro, Florianópolis, Recife e Salvador. As cidades históricas e Juiz de Fora recebem muitos turistas GLS. Partimos do pressuposto de que, em qualquer cidade, temos 10% de gays e lesbicas. Esse é o mercado a ser explorado”, afirma Almir Nascimento.
Juiz de Fora tem tradição
Há mais de 30 anos a cidade de Juiz de Fora, a 255 quilômetros de Belo Horizonte, promove o concurso Miss Brasil Gay, neste ano em 35ª edição. A população de pouco mais de 500 mil habitantes se prepara para no próximo mês receber 12 mil turistas interessados no concurso. “Se cada turista tiver gasto médio de R$ 1.000 entre transporte, hospedagem, alimentação, entretenimento, compras, podemos facilmente chegar à receita direta de 12 milhões de reais”, analisa Marcelo do Carmo, consultor de administração e marketing do Miss Brasil Gay 2011. O concurso, completa ele, tem custo estimado de R$ 200 mil e neste ano acontece em 20 de agosto.
O consultor do Miss Brasil Gay acredita que muito ainda precisa ser feito pelo turismo LGBT em Minas. “Ainda há muito o que ser trabalhado. Os destinos precisam se conscientizar. Como é um Estado tradicionalmente religioso e que baseia seus preceitos na tradicional 'família mineira', penso que grandes ações de sensibilização, conscientização, marketing e promoção ainda deverão ser implantadas”.
Juiz de Fora foi o cenário em que o capitão do Exército Darci Teixeira Dutra viveu por 35 anos com o companheiro José Américo Grippi, hoje com 66 anos. Em fevereiro deste ano, Grippi conseguiu decisão inédita no judiciário, o direito a uma pensão paga pelo Exército. Seu companheiro morreu em 1999. “Não pedi pelo dinheiro. O dinheiro é bom, mas não tinha intenção de prejudicar ninguém. Só queria o que é meu por direito. As pessoas precisam ter coragem de lutar pelos seus direitos”, disse ao iG.
Grippi se encaixa no perfil de quem frequenta o Miss Brasil Gay. Pesquisa da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF) indica que 30% do público no concurso corresponde a pessoas locais com mais de 60 anos - um indício de que as resistências aos poucos começam a cair.
fonte: Último Segundo
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