Só neste ano, houve 205 mortes provocadas por violência homofóbica
Nas últimas semanas, o país acompanhou duas histórias de preconceito e intolerância em São Paulo e no Rio de Janeiro: quatro jovens foram agredidos brutalmente em vias públicas por assumirem uma orientação sexual diferente da maioria.
Na manhã do dia 14, três rapazes foram agredidos em plena avenida Paulista por um grupo de cinco pessoas, sendo quatro adolescentes. Câmeras de segurança flagraram o momento em que os agressores jogavam lâmpadas no rosto e davam socos e pontapés nas vítimas. Horas depois, no Rio, um soldado do Exército xingou e atirou em um jovem que saía da Parada do Orgulho Gay.
Os menores envolvidos serão internados, os outros estão presos. Nas duas situações, as vítimas sobreviveram. E tiveram coragem para denunciar a história.
Assassinatos aumentaram
Os casos não são isolados. Não há dados oficiais sobre agressões a homossexuais. De acordo com o Grupo Gay da Bahia (GGB), único a reunir números sobre o tema, o Brasil é o país onde há mais assassinatos de homossexuais – um a cada dois dias. A Organização Não-Governamental cruza números de homicídios com as notícias sobre casos em que houve motivação preconceituosa por causa da orientação sexual. O governo alega que não reúne dados oficiais porque é difícil tipificar os crimes relacionados à homofobia e muitas vítimas têm medo de assumir a homossexualidade ao denunciar.
O levantamento do GGB aponta um crescimento do número de assassinatos nos últimos anos. Em 2009, foram 198 casos - 11 a mais que em 2008 e 76 a mais que em 2007. Em 2010, somente de janeiro a novembro, o grupo contabiliza 205 casos em todo o país. Desde que o grupo foi criado, em 1980, 3.330 homicídios de homossexuais foram registrados.
O antropólogo e fundador do GGB, Luiz Mott, afirma que somente 10% dos autores desses crimes são localizados e punidos. “A maioria acontece no meio da noite e em lugares desertos, o que dificulta a localização dos criminosos”, comenta.
Nos estados
Segundo o GGB, ao lado da Bahia, o Rio de Janeiro lidera o ranking de assassinatos de homossexuais em 2010 – foram 21 casos cada neste ano, contra 19 em São Paulo, segundo colocado.
Rio e São Paulo têm órgãos específicos para tratar do tema e leis estaduais que proíbem a discriminação contra homossexuais, sob pena de advertência, multa ou cassação do alvará de funcionamento de empresas. “Com isso, os homossexuais passam a ser vistos como cidadãos e têm coragem de denunciar”, afirma Dimitri Sales, que comanda a Coordenadoria de Políticas para a Diversidade Sexual do Estado de São Paulo, ligada também à Delegacia Especial de Crimes Raciais e Delitos de Intolerância.
No Rio, a Superintendência Estadual de Direitos Individuais, Coletivos e Difusos, sob o comando de Cláudio Nascimento, coordena os centros de referência e apoio a homossexuais vítimas de violência e o programa Rio sem Homofobia. Há ainda um serviço para tirar dúvidas e orientar gays, lésbicas e transgêneros pessoalmente ou por telefone. Segundo Nascimento, em 2010, dos 2.022 atendimentos, 600 eram denúncias de homofobia.
Mas, mesmo com tantas políticas públicas, reforço da segurança, por que esses estados continuam ocupando as manchetes de jornais com casos como os ocorridos no dia 14? “A homofobia independe do estado. É um problema estrutural que acompanha as raízes da cultura brasileira, estamos em uma luta para modificar a estrutura de uma sociedade de mais de 500 anos”, opina Dimitri Sales. “A questão da homofobia não se dá num passe de mágica. É um processo de revolução das mentalidades de pessoas que precisam aceitar a diversidade”, complementa Cláudio Nascimento.
Legislação
Está em tramitação no Congresso Nacional há quatro anos o Projeto de Lei da Câmara (PLC) 122/2006, que pretende tornar crime a discriminação por orientação sexual, assim como já é a motivada por preconceito racial e de religião.
A versão que está sendo analisada pela Comissão de Direitos Humanos (CDH) do Senado pretende punir com até três anos de prisão quem “praticar, induzir ou incitar a discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião, origem, condição de pessoa idosa ou com deficiência, gênero, sexo, orientação sexual ou identidade de gênero”. Para entrar em vigor, o projeto ainda terá de passar pelo crivo da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) e pelo plenário do Senado. Depois, como foi modificado, voltará à Câmara, de onde saiu.
Não há consenso sobre a proposta, que enfrenta forte resistência da bancada religiosa do Senado. O senador Magno Malta (PR-ES) é um dos mais ferrenhos críticos ao projeto. Em declarações e artigos publicados em seu site, diz que o projeto é uma “afronta aos direitos individuais” por discriminar o restante da sociedade e que, se aprovado, colocará os homossexuais “como seres superiores, isentos de oposição moral, ética, filosófica e mesmo científica”. Uma das maiores preocupações do senador é com as religiões que “qualificam o homossexualismo como um ato contra a natureza, uma aberração” e não poderão se manifestar caso a lei seja aprovada.
A senadora Fátima Cleide (PT-RO) é a relatora do projeto na CDH e também o fez na Comissão de Assuntos Sociais (CAS). Em ambas, votou a favor da proposta e criou uma versão simplificada para ela. “Alguns parlamentares tentam protelar a aprovação do projeto com argumentos mais homofóbicos possíveis, usando a questão religiosa como escudo para não avançar nos direitos humanos”, diz a petista.
Ela argumenta que, apesar de a Constituição definir a igualdade entre os cidadãos, as diferenças não são respeitadas. Por isso, acrescenta, é preciso aprovar uma lei para obrigar seu cumprimento. “Você não muda uma cultura de violência do dia para a noite se não for penalizando”, comenta.
Impasse
A polêmica ecoou na sociedade. Após os ataques, o reverendo Augustus Nicodemus Lopes, chanceler da Universidade Mackenzie, reproduziu no site da instituição uma carta pública redigida pela Igreja Presbiteriana do Brasil em que ambas as entidades colocam-se contra o projeto pelo “direito da livre expressão, garantido pela Constituição, que será tolhido caso a chamada lei da homofobia seja aprovada”.
Na carta, a Igreja afirma que “repudia a caracterização da expressão do ensino bíblico sobre o homossexualismo como sendo homofobia, ao mesmo tempo em que repudia qualquer forma de violência contra o ser humano criado à imagem de Deus, o que inclui homossexuais e quaisquer outros cidadãos”.
Os grupos que defendem os direitos de homossexuais se revoltaram. “A pressão dos fundamentalistas religiosos impede o progresso dos direitos humanos no país”, critica o fundador do GGB, Luiz Mott. “A gente não quer transformar a sociedade em homossexual, quer apenas garantir o direito constitucional de ter liberdade para se expressar”, completa o presidente da Associação da Parada do Orgulho GLBT de São Paulo, Ideraldo Beltrame.
fonte: Veja.com
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