por Bruno Bimbi
Embora a Argentina, vizinha ao lado , e Portugal, que faz parte da família , tenham aprovado neste ano o casamento igualitário, a discussão sobre os direitos civis dos homossexuais não foi seriamente considerada pelos candidatos à presidência do Brasil. Os três concorrentes que pontuam nas pesquisas fizeram todo o possível para fugir das perguntas sobre o assunto.
E não é que eles sejam tão conservadores ou acreditem mesmo na discriminação, que nem o Levi Fidelix (PRTB) - afinal, tanto José Serra (PSDB) quanto Dilma Roussef (PT) pertencem, pela sua trajetória de vida e formação política, à turma dos que sentiriam vergonha de dizer aos amigos que têm preconceito de gay. Marina Silva (PV), embora evangélica, é uma mulher negra, de esquerda, que nasceu pobre e foi analfabeta até a adolescência, o que tornaria absurdo que ela defendesse qualquer tipo de discriminação. E, acima de tudo, ela representa o Partido Verde.
Mas mesmo assim, os candidatos se omitiram. Quando perguntados sobre o casamento gay, responderam sobre a união civil. E se alguém replicasse, contestavam em uníssono que o casamento diz respeito à religião, embora todos eles saibam - e se não souberem, deveriam - o que a Constituição Brasileira estabelece: "O casamento é civil" (226 § 1) . O casamento religioso pode ter efeito civil, mas não é a mesma coisa.
Portanto, quando se fala em direitos civis - que é o único que está em discussão, já que ninguém está reivindicando o direito a se casar na igreja - a única forma de garantir a igualdade aos casais do mesmo sexo é acabando com a exclusão no acesso ao casamento civil. A resposta ficaria mais óbvia se falássemos dos negros, que também sofrem o preconceito, como os gays. Algum político democrático defenderia que o casamento de negros fosse chamado pela lei com outro nome, como "união estável de negros"? Imaginem um candidato à presidência da República explicando para a população negra desse país que a união civil é a mesma coisa, e vai garantir herança e plano de saúde. Pedindo ainda que deixem a palavrinha que os difere pra lá.
O que Dilma, Serra e Marina precisam que alguém lhes explique que não existe a "quase igualdade": ou somos iguais, ou não somos. E nós, lésbicas e gays, queremos ser. Em todos os países onde a discussão do casamento igualitário chegou ao parlamento, a direita e os extremistas religiosos defenderam a alternativa da "união civil" - que eles nunca tinham proposto quando o casamento não estava sendo discutido.
Antigamente, eles defendiam a fogueira, depois passaram a aceitar que nós continuássemos vivos, mas nos chamavam de doentes e desviados e não aceitavam que a lei nos reconheça direito algum. Acontece que agora, isso é politicamente incorreto. A última carta que eles têm, e dessa não abrem mão, é impedir a igualdade simbólica. Eles não são tolos e entendem o valor dos símbolos. Se permitirem o casamento gay, o preconceito contra nós passará a ter data de vencimento neste século, porque as crianças se educarão sabendo a lei reconhece até o direito de casamento entre pessoas do mesmo sexo. Seremos iguais perante a legislação e não haverá nenhuma norma juridicamente aceita que legitime o tratamento preconceituoso contra nós na vida social.
O que me surpreende é que a proposta de estabelecer direitos diferentes, com nomes diferentes, para homo e heterossexuais - que na Europa e até mesmo na Argentina é patrimônio da direita - seja partilhada no Brasil até por alguns políticos que se dizem de esquerda. Talvez a declaração que o primeiro ministro português José Sócrates deu aos oposicionistas na Assembleia da República possa ajudar: "O que acontece é que essa proposta, a "união civil",
mantém a discriminação, e uma discriminação tanto mais ofensiva quanto, sendo quase inútil nos seus efeitos práticos, que é absolutamente violenta na exclusão simbólica, porque atinge pessoas na sua dignidade, na sua identidade e na sua liberdade. Senhores deputados, em matéria de dignidade, de identidade e de liberdade, pela minha parte, não aceito ficar a meio caminho".
O caminho da "união civil" é o caminho da segregação, como os restaurantes para negros e os restaurantes para brancos. Mesmo se os restaurantes para negros fossem igualmente bonitos e tivessem um ótimo cozinheiro, alguém duvida de que seria uma ofensa? Não só uma ofensa aos negros, mas à democracia.
*Bruno Bimbi é um jornalista argentino, ativista da FALGBT e aluno do curso de mestrado em Letras em uma universidade brasileira.
fonte: O Globo
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