No mês passado, defensores e oponentes do casamento homossexual lotaram a Assembleia Estadual de Nova Jersey, em Trenton - os defensores em azul, os oponentes de vermelho. Perto do final do dia, Kasey Nicholson-McFadden tomou o microfone. "Não me incomoda dizer às crianças que minhas mãe são homossexuais", ele declarou, em tom claro. "Mas me incomoda dizer que não são casadas. Faz com que nossa família pareça inferior às delas".
Kasey tem 10 anos, e quando o Senado estadual de Nova Jersey votou contra o casamento homossexual, em 7 de janeiro, ele ficou arrasado. "Tentamos animá-lo, dizendo que era apenas mais um passo no processo, que nada está decidido", afirma Karen Nicholson-McFadden, uma das mães de Kasey.
A Garden State Equality, a organização de defesa dos direitos dos homossexuais em Nova Jersey que levou Kasey à audiência, informou rapidamente aos jornalistas que recorreria ao Judiciário para continuar a batalha. O território é conhecido para a família Nicholson-McFadden, que prometeu persistir, seja em comícios, seja nos tribunais.
Desde que Kasey era pequeno Marcye e Karen Nicholson-McFadden vêm batalhando pelo direito de casar, em Nova Jersey. Assim, embora boa parte do tempo de Kasey seja dedicado a atividades infantis típicas - patinar, nadar e jogar futebol -, ele também participa de campanhas publicitárias e eventos promovidos pela Garden State Equality. Tantos dos 64 mil membros da organização têm filhos que o grupo oferece creches e programas de atividades para adolescentes durante seus eventos.
Em 2008, cerca de 116 mil casais homossexuais estavam criando cerca de 250 mil crianças com idade inferior a 18 anos, nos Estados Unidos, de acordo com uma análise de dados do recenseamento conduzida por Gary Gates, demógrafo especialista em dados populacionais sobre os homossexuais, no Instituto Williams, parte da Universidade da Califórnia em Los Angeles.
Embora os oponentes do casamento homossexual em geral se preocupem com a possibilidade de que as escolas passem a ensinar que relacionamento heterossexuais e homossexuais são a mesma coisa, muitos dos simpatizantes da causa se concentram em questão diferente, mas ainda assim relacionada às crianças: e quanto aos meninos e meninas que estão sendo criados por famílias homossexuais? Como é que a falta de benefícios matrimoniais para seus pais e mães os afeta?
Nos últimos anos, número crescente dessas crianças passou a assumir papel mais ativo em campanhas pelo casamento homossexual. Seu envolvimento está ajudando a alterar a narrativa quanto ao casamento gay, de uma história sobre casais a uma história sobre filhos.
Depois que 31 Estados rejeitaram o casamento homossexual - mais recentemente Maine, Nova Jersey e Nova York -, as estratégias usadas pelos proponentes agora envolvem projetar uma imagem de família convencional nas campanhas de opinião pública relacionadas a disputas judiciais quanto à proibição do casamento gay. Muitos ativistas dos direitos homossexuais acreditam que ouvir a opinião de crianças articuladas, filhas de casais homossexuais, sobre a diferença entre os direitos de seus pais e os dos demais pode ajudar a inverter o peso do argumento sobre valores familiares. Na semana passada, Chiah Connolly-Ingram, 21, filha de um casal de lésbicas, discursou no encerramento de um comício diante do tribunal federal de San Francisco, que está julgando uma contestação à Proposição 8, que proibiu o casamento homossexual na Califórnia. "Como filha de um casal de lésbicas, sei que as crianças serão afetadas por essa decisão", ela declarou.
Zach Wahls, calouro na Universidade do Iowa e filho de um casal de lésbicas que se casaram alguns meses atrás no Iowa, um dos poucos Estados nos quais os casamentos homossexuais são legais, declarou em entrevista recente que "a questão real é a de uma estrutura separada mas igualitária. Não estamos falando de gays e lésbicas, mas de tolerância e aceitação".
Evan Wolfson, diretor executivo da Freedom to Marry, uma organização de Nova York que defende a legalização do casamento homossexual, disse que "não existe bom motivo para punir os filhos de casais homossexuais ao negar a estes os benefícios e proteções do casamento. Isso não ajuda as crianças, mas as prejudica".
Os oponentes do casamento homossexual não se deixam convencer. "Não faz qualquer sentido que um pequeno segmento da sociedade possa promover uma imensa mudança social ao simplesmente colocar crianças propositadamente nessa situação", disse Andrew Pugno, diretor jurídico da ProtectMarriage.com, a organização da Califórnia que promoveu a Proposição 8. "A sociedade não está forçando casais homossexuais a criarem filhos. Caso eles exerçam essa opção, é problemas deles, e não se torna algo que a sociedade precisa mudar a fim de aceitar".
A posição de Pugno é compartilhada por muitos outros observadores. "A verdadeira questão é determinar se relacionamentos homossexuais são tão benéficos para os filhos quanto um casamento heterossexual, e acreditamos que não", disse Peter Sprigg, pesquisador sênior do Conselho de Pesquisa da Família, uma organização cristã conservadora. "As crianças se saem melhor quando criadas pela mãe e pai biológicos, que se dediquem um ao outro em um matrimônio duradouro".
Os ativistas dos direitos homossexuais contestam essa alegação, citando dados da Academia Americana de Pediatria e da Associação Médica Americana, entre outras organizações.
O debate sobre a paternidade homossexual foi um dos destaques em Iowa, onde a Corte Suprema estadual decidiu em abril passado que uma lei estadual que limitava o casamento a casais heterossexuais era inconstitucional, como resultado de um processo aberto por um casal gay do condado de Polk. "Os queixosos fizeram dos filhos o ponto central de sua argumentação", disse Camilla Taylor, advogada da Lamba Legal, que assessorou os queixosos no caso. "Há muitas razões para alegar que o propósito da proibição ao casamento em nada se relaciona ao bem-estar dos filhos", ela disse, "mas porque os acusados alegaram que o propósito da lei era proteger os filhos dos casais heterossexuais, nós os forçamos a responder por que os filhos de casais homossexuais não deveriam receber proteção semelhante".
A Lambda Legal procurou todos os co-queixosos que tinham filhos e perguntou se seus filhos não queriam se unir aos queixosos do processo. A estratégia parece ter alterado a opinião pública e do tribunal. "O que fiz não foi só pela minha família, mas por muitas", disse McKinley BarbouRoske, 12 anos, que, com a irmã Breeanna, foi um dos queixosos no processo aberto por suas mães, Jen e Dawn BarbouRoske.
Os observadores do movimento para deixar de lado os referendos mal sucedidos e recorrer em lugar disso aos tribunais para aprovar o casamento homossexual dizem que o bem-estar dos filhos e a posição legal dos pais voltarão a ocupar posição central em disputas judiciais, porque os argumentos nos processos referentes ao casamento gay muitas vezes giram torno do possível impacto que alterar a definição de casamento teria sobre as crianças. Na Califórnia, a equipe jurídica que está contestando a Proposição 8 recorreu a psicólogos, historiadores e cientistas sociais para que testemunhassem em seu favor, uma tática que funcionou bem em Iowa. Meredith Fenton, 33 anos, filha de uma lésbica, disse que quando a igualdade no casamento entrou em debate público, "as pessoas que têm pais homossexuais, bissexuais ou transgenêro compreenderam que, em resumo, nós mesmos éramos um dos temas em discussão". Muitos organizadores, entre os quais Fenton, dizem que a ausência das vozes dos filhos nas iniciativas estaduais de referendo e disputas judiciais foi um erro.
"Nós crescemos vendo nossas famílias como famílias, quer o governo apreciasse, quer não, e ficamos frustradas com a sugestão de que deveríamos ter famílias parecidas com as heterossexuais se quisermos que as autoridades as reconheçam como válidas", afirmaram Martha Jane Kaufman, dramaturga e professora em Nova York, e Katie Miles, aluna de pós-graduação na Universidade Colúmbia, em e-mail sobre o seu blog, cujo tema são filhos homossexuais de casais homossexuais mas que se opõem ao casamento gay. "Do nosso ponto de vista, o casamento é uma instituição que contribui para a privatização de serviços sociais como a saúde e os direitos de imigração, que na verdade deveriam ser direitos básicos garantidos a todos os seres humanos".
Desde que Kaufman e Miles criaram o blog, receberam a adesão de outros filhos de casais homossexuais, segundo os quais o casamento gay não teria beneficiado suas famílias. "Do ponto de vista jurídico, compreendo totalmente porque o debate sobre a igualdade no casamento ganhou posição central para as famílias", disse Danielle Siber, coordenadora de um movimento em favor do casamento homossexual em Nova York. "Parece uma maneira rápida de ganhar reconhecimento legal e validação social para a normalidade e legalidade de nossas famílias".
"Isso posto, para muitas dessas famílias a igualdade no casamento não se aplicaria, e não propiciaria direitos ou proteções", acrescentou. A família dela mesma, com duas mães e dois pais que se separaram e encontraram novos parceiros ou ficaram solteiros, não teria sido beneficiada, ela diz.
Abigail Garner, 37 anos, que escreveu um livro e mantém um blog sobre os filhos de famílias homossexuais, como a sua, também demonstra cautela. "Se consideramos que o casamento é um caminho para obter cobertura de saúde, em que situação ficam as pessoas desempregadas ou solteiras?", ela questiona. "Precisamos considerar as coisas que o casamento confere às pessoas, e perguntar por que estão condicionadas a que elas formem casais".
fonte: Terra
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